segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz 2013

Que Chico Xavier é a maior farsa de todos os tempos, poucas pessoas sabem, e, menos ainda, têm coragem de dizer isso aos quatro ventos. É que isso nos faz perder amigos. E é terminantemente proibido perder amigos, principalmente nessa fase de fim de ano. Todos sabem disso.

Mas, como aqui no Terapia do Caos nossa especialidade não é bem essa, optamos por revelar ao público, dias após o fim do mundo (sim, ele acabou), essa verdade bombástica. Antes de mais nada, vamos aos avisos: Se você já leu todos os volumes da livraria espírita e agora essas coisas o aborrecem, alegre-se – esse é o curso natural das coisas. Seja bem vindo ao blogue. Agora, se você é daqueles que gastou centenas de horas lendo a obra xaveriana, ainda não se arrependeu e julga que jamais encontrará verdade maior em outras literaturas, sugiro que clique aqui e poupe o autor e você mesmo de maiores aborrecimentos.

Dados os avisos, vamos aos dois fatos que eu considero mais importantes para a reflexão que eu quero propor:

1) Chico Xavier oferecia consolo às pessoas.
2) Chico Xavier esteve envolvido em situações comprovadamente fraudulentas

Isso sem falar naquelas lendas que dizem que Chico era burrinho, analfabeto, mal sabia português, etc. Tudo mentira, parte da construção de um mito. O homem era letrado, possuía uma biblioteca enorme e falava vários idiomas. Pra burro ele não servia. Mas isso não vem ao caso. Como eu prefiro evitar a política do Ctrl+C e Ctrl+V, sugiro que o leitor interessado no assunto faça uma busca no Google e verifique por conta própria. Se se convencer dos fatos ou não, não estou preocupado. Quero mais é que se foda, sem o perdão da palavra. Afinal, é véspera de ano novo, tudo novo, tudo igual. Desde sabe-se lá quando. Enfim.

Onde eu quero chegar com isso? Não muito longe. Todo esse preâmbulo é só pra lembrar que a mentira ainda é o maior consolo. Seu cachorrinho foi pro céu dos cachorros. Deus ajuda a quem cedo madruga. Em 2013 seremos melhores.

E já que estamos falando em 2013, vou fazer, agora, meus votos para o novo ano que se aproxima:

1) Que 2013 aposente Roberto Carlos;
2) Que 2013 traga uma nova era, e que os iluminados desse novo tempo não tenham medo de queimar nossos livros espíritas e afins em praça pública (queimar somente os livros);
3) Que 2013 nos brinde com o derradeiro colapso do atual sistema político e econômico;
4) Que 2013 nos presenteie com procedimentos alternativos à colonoscopia;
5) Que 2013 leve Sílvio Santos para um lugar melhor, e que, em troca, nos devolva o Chapolin.

A mentira, por enquanto, ainda é o maior consolo. Mesmo no ano que vem.
FELIZ 2013  e   "AO VENCEDOR, AS BATATAS"*

*Agradecimentos à professora Maria Cristina, que lembrou da citação.

terça-feira, 17 de julho de 2012

O Maior Barbosense de Todos os Tempos


Quem será o maior barbosense de todos os tempos?

O Terapia do Caos quer saber quem o internauta barbosense considera o maior barbosense de todos os tempos! Participe dessa fantástica pesquisa! Clique nos comentários, no final desse texto, e deixe sua opinião!

Mas, atenção: não vale votar em candidatos a prefeito ou vereador! Votos de anônimos poderão ser desconsiderados. Ou não. Não sei.

Se seu candidato for muito desconhecido, considere a possibilidade de explicar de quem se trata, através de uma breve biografia à moda barbosense (ex.: fulano, que veio não sei de onde, que tem tal carro e trabalha em tal lugar...)


A votação encerra à meia-noite de sábado, 21 de julho, ou antes, ou depois, ou quando eu achar que deve acabar.

Todos os votos estarão sujeitos ao sistema de moderação do blogger, o que significa que serão divulgados quando este blogueiro tiver tempo de acessar essa bagaça.


Observação: o autor deste blog, desde já, tira o cu da reta e não se responsabiliza pelas opiniões expressas pelos seus leitores.

Vote através dos comentários!



O maior brasileiro de todos os tempos


E o maior brasileiro de todos os tempos é...

Paulo Coelho!

Já pensou? A chance é real. Tenho a séria impressão que esse cara vai ficar entre os dez primeiros colocados. Não por merecer, obviamente, mas porque é assim que as coisas são. Tom Jobim e Chico Buarque, por exemplo, já perderam para Luan Santana, que, na opinião de muitos brasileiros, merece o nobre título de maior brasileiro de todos os tempos.

Por Zeus! Como alguém pode achar que Luan Santana é o brasileiro mais importante de todos os tempos? O que um cara como esses fez pelo país ou pelo mundo? Lançar umas modinhas musicais descartáveis? Aliás, escolher alguém, quem quer que seja, já é uma tarefa ingrata. Que critérios utilizar? Eu mesmo não tenho certeza sobre quem escolher (considerando que eu quisesse participar dessa piada). Mas escolher Luan Santana? Como alguém consegue um absurdo desses? Quem votou no Gugu? No Datena? Na Hebe Camargo? Isso só pode ser um sinal do fim dos tempos, pois a lista de pérolas é grande.

Por falar em critérios, eu creio que um deles poderia estar ligado à literatura. Guimarães Rosa, Machado de Assis... mas espere: uma nação, parece, não se faz com homens e livros quando ela sofre (e sempre sofreu) de analfabetismo funcional. Mais um ponto para Paulo Coelho. Se você souber juntar letrinhas já pode ler a obra coelhiana e dizer, orgulhoso, que votou num brasileiro ligado à "literatura".

É como diz o ditado: nada está tão mal que não possa piorar.

Por outro lado, canais especializados em fofocas de bastidores garantem que o ex-presidente Lula tem grandes chances de ser o primeiro colocado. Se for assim, é uma escolha coerente, que faz jus a proposta do programa. Mas eu sempre confio na capacidade intelectual do nosso internauta, por isso podemos esperar por surpresas. Aposto algumas unhas dos pés que Paulo Coelho fica entre os dez primeiros colocados, isso se algo pior não acontecer. Veja bem, nosso bruxinho, além de ser o maior intelectual brasileiro (segundo ele mesmo, claro...), também é alquimista, do tipo que consegue transformar merda em ouro. Se ele consegue tudo isso, certamente é capaz de conquistar uma boa posição nessa votação. Enquanto isso, eu exercito minhas habilidades proféticas.

Enfim, confiram como anda a classificação para o brasileiro mais cuiudo de todos os tempos. Divirtam-se com as pérolas e tirem suas próprias conclusões.

100º = Maria da Penha
99º = Jô Soares
98º = Vital Brazil
97º = Ana Paula Valadão
96º = Roberto Justus
95º = Itamar Franco
94º = Ronald Golias
93º = Jorge Amado
92º = Romário
91º = Pe. Landell de Moura
90º = Anderson Silva
89º = Tom Jobim
88º = Cazuza
87º = William Bonner
86º = Amado Batista
85º = Chacrinha
84º = Chico Buarque
83º = Joelma
82º = Ronaldinho Gaúcho
81º = Datena
80º = Sócrates
79º = *
78º = Fernando Collor de Mello
77º = Marcos Pontes
76º = Luís Carlos Prestes
75º = Claudia Leitte
74º = Lampião
73º = Garrincha
72º = Michel Teló
71º = Lua Blanco
70º = Marechal Rondon
69º = Antônio Ermírio de Moraes
68º = Duque de Caxias
67º = Monsenhor Jonas Abib
66º = Carlos Chagas
65º = Reynaldo Gianecchini
64º = Ulisses Guimarães
63º = Dedé do Vasco
62º = Mazzaropi
61º = Zico
60º = Pe. Marcelo Rossi
59º = Marcos do Palmeiras
58º = Roberto Marinho
57º = Monteiro Lobato
56º = Hebe Camargo
55º = Paulo Freire
54º = Missionário RR Soares
53º = Zumbi dos Palmares
52º = Carlos Drummond de Andrade
51º = Paiva Neto
50º = Rogério Ceni
49º = Gugu Liberato
48º = Tiririca
47º = Leonel Brizola
46º = Raul Seixas
45º = Visconde de Mauá
44º = Elis Regina
43º = Ivete Sangalo
42º = Luan Santana
41º = Machado de Assis

* não teve o nome divulgado porque é candidato nas eleições municipais.

Enquanto isso, comente, aí embaixo, quem você acha que vai ganhar essa bagaça. Façam suas apostas!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

um sonho

Teus olhos luzem no inferno da noite...
Afasta-os de mim!
Pois perdi a lucidez
E posso pensar que são duas velas
Velando o meu corpo
No meu próprio lar 









quinta-feira, 12 de julho de 2012

Dionísio, insuficiência hepática e Festiqueijo

(Esse texto trata de assuntos locais)
Visite Carlos Barbosa e confira o Festiqueijo 2012 (mas, por gentileza, evite regurgitar nas vias públicas)

Andam dizendo que falo mal de nossa festa-mor, o Festiqueijo, por causa de um ou outro texto que você pode conferir aqui e aqui, mas, na verdade, apenas desclassifico, a meu modo, essa nossa mania de trocar os nomes das coisas. Repito que não há nada de errado com dionisíacos e bacanais, desde que sejam chamados de dionisíacos e bacanais. Não tente chamar de festa familiar uma encenação de orgia. Não tente chamar de degustação uma beberragem. E tudo estará bem.

O nome que damos às coisas é, ainda, mais importante que a coisa em si. Duvida? Repare que as palavras, todas elas, são carregadas de magia. No mito da criação, Deus criou as coisas através das palavras. Através de semelhante processo mágico nós também criamos e modificamos muitas coisas.

Se andar trôpego na praça da matriz (devido ao abuso de álcool no fim de semana) é tido como uma afronta aos bons costumes, o mesmo é permitido e legitimado através da instituição festiva denominada Festiqueijo. Ou seja: criamos um tempo e um espaço para o exagero.

Estou exagerando? Talvez. O fato é que olhamos com nojo para aquele mendigo que dorme no banco da rodoviária abraçado a uma garrafa de cachaça, mas, no dia seguinte, nos divertimos vendo nossos pares sendo carregados para a ambulância que presta serviços de "reposição de glicose" aos fundos do Salão Paroquial, próximo ao portão de saída do Festiqueijo (por falar nisso, fico me perguntado quantos adolescentes são atendidos dessa forma, à margem do sistema, depois de um porre no Festiqueijo. Tomara que eu esteja enganado quanto a isso...). Em suma, muito do que não é moralmente aceito na maior parte do ano e na maioria dos espaços públicos ou privados, tem a possibilidade de ser temporariamente permitido durante esse tempo festivo, nesse espaço específico.

Várias vezes me disseram que "frango é frango e palmito é palmito" nessa questão de relacionar o uso do álcool com uma festa local. De fato, não dá para generalizar (obviamente). Eu nunca saí da festa de ambulância, tampouco a maioria dos que conheço saíram. Mas não há nada mais divertido do que sentar-se ali por perto e contar quantas vezes a ambulância sobe e desce fazendo o trajeto salão-hospital-salão nos dias mais movimentados da festa. É hilário.

E, é claro, é culpa das pessoas que exageram (dizem), não da festa. Ok. Mas ainda prefiro entender que não é uma questão de "achar culpados" (de novo o moralismo). Prefiro entender que isso é obra de Baco, de Dionísio, que, como divindades que são, reconhecem uma homenagem quando veem uma e nos dão a honra de sua presença. Mas nós, por outro lado, não somos bons anfitriões, uma vez que não reconhecemos publicamente nossos principais convidados. Ainda nos escondemos atrás de inocentes vaquinhas coloridas que, se por um lado enfeitam a cidade, por outro mostram o quanto somos infantis quando o assunto é assumir que as coisas que gostamos são as mesmas que condenamos nos outros.


Em resumo: o Festiqueijo não é um sucesso por causa da "alta" gastronomia que oferece, mas por proporcionar um tempo e um espaço para o exagero.

Visite o Festiqueijo (se puder, porque isso aqui não é pra qualquer um) e divirta-se!

Se beber (sic), não dirija...







sexta-feira, 6 de julho de 2012

Parábola do guarda-chuva


Naquele tempo, houve um período de muita chuva. O Senhor torcia as nuvens como se fossem panos de prato encharcados. A água que caia formava corredeiras, que formou os rios, que, por sua vez, formaram as ruas desta cidade.

Se hoje tu caminhas sobre elas, é porque o Senhor quis assim. Hoje, as águas correm por outras vias.

Mas, importa saber que, naquele tempo, os profetas ainda condenavam os homens que molhavam suas barbas e que molhavam os seus cabelos quando saíam de suas casas para fazer o bem em dias de chuva.

Foi naquele tempo que Jerobobão intuiu que não era correto deixar de sair para praticar o bem só porque os profetas condenavam os homens que expunham suas barbas à chuva.

E Jerobobão inventou o guarda-chuva.

E Jerobobão, vendo que isso era bom, pensou:

- Vou andar pelos quatro cantos do mundo instruindo as pessoas na arte de fazer guarda-chuvas.

Mas Malafaialá, que era malvado, ao ver a boa obra de Jerobobão, correu até ele, roubou-lhe o guarda-chuva e registrou o invento em seu nome. Mas, ao invés de produzir e ficar rico vendendo guarda-chuvas, Malafaialá, por pura maldade, jogou o registro e o guarda-chuva em um canto, privando a humanidade da invenção de Jerobobão por toda a era do Carneiro, até a metade da era de Peixes quando, finalmente, a invensão caiu em domínio público.

Só então os ungidos por Deus puderam sair de casa para fazer o bem em dias de chuva sem molhar as barbas e os cabelos.

Mas Malafaialá saiu vitorioso porque, naquela ocasião, os profetas não mais condenavam os homens que expunham suas barbas e seus cabelos à chuva.

-><-

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Ficção científica, narrativa inortodoxa e deuses do século XXX

        
      À beira de um colapso, estamos, diria um personagem de ficção científica. Mas não houve ficção que tenha chegado perto de imaginar que o macaco pós-moderno quer mais é tchu-tchá-tchá-tchu-tchu-tchá. E não há ficção capaz de adivinhar o que poderá vir depois disso.
 

Mas prever o futuro, bancar o profeta, talvez não seja tão difícil assim. Parece que o futuro tende a ser meio parecido com o passado. Com um pouco de imaginação, não é difícil visualizar um bando de símios ao redor da fogueira, entoando cânticos rituais primitivos que culminam numa enorme suruba. Seriam bons tempos, esses. Mais sinceros.
Neste exato momento, sexta-feira, os símios contemporâneos preparam-se para o ritual do pássaro de metal (aquele velho DC-3, abandonado à beira da RS 470). Tribos em torno de seus totens. Nada muito diferente, em essência.
E por falar em ancestrais e fogueiras, há um posto de gasolina naquelas bandas...
"Fogueira grande agrada os deuses!"
Mas, imaginem, o colapso nunca chega. É sempre promessa, desejo e sensação. É só aflição e caos, de geração em geração.
Em meio a essa divagação, o alto-falante informa:
- Atenção, passageiros! Dentro de dez minutos atingiremos a velocidade da luz. Nessa ocasião, é comum sentir enjoos ou náuseas. Afivelem os cintos de segurança e mantenham as poltronas na posição vertical.
O universo é caótico. Uma nuvem de caos absurdamente imprevisível. Quando chegamos perto de observar qualquer padrão de comportamento em sistemas complexos, como a Bolsa de Valores, a mãe Natureza (que já era senhora dos átomos, antes da questão piegas dos animais em extinção) nos prega uma peça e inverte os caminhos. Terabytes de cálculos em vão.
- Deixe essas coisas pra lá, amor. Vamos dormir um pouco!
Quanto ao futuro, desconfio de quem arrisca previsões. Mas ouço com atenção quem não se apega a detalhes, quem se propõe a falar de essências...
- Sim, amor. Já estou indo.
- Senhores passageiros, informamos que acabamos de ultrapassar a velocidade da luz. Nossa nave continuará orbitando o sol e nossos sensores continuarão apontados para a Terra. Informamos, ainda, que, segundo nossos cálculos, a humanidade acabou de entrar no século XXII. Lembramos a todos que, deste ponto em diante, não é mais possível obter reembolso dos valores investidos, uma vez que é impossível retornar os 90 anos percorridos nos últimos instantes. Já é possível soltar o cinto de segurança e reclinar a poltrona. Para chamar a comissária do bordo, pressione o botão laranja. A Timeline Viagens do Futuro agradece a preferência e deseja a todos uma boa viagem.
O sistema de som ambiente toca uma canção: “um amor assim delicado / você pega e despreza...”
Abril de 2013. Uma TV. Um noticiário. O apresentador fala sobre máquinas capazes de viajar no tempo. “Em menos de vinte anos... cientistas... consórcio internacional...”. Sono. Cama. Sonhos. Ruídos desconhecidos na rua. Passos. Pessoas. Celulares. “Amanhã é sábado...”
No outro lado da cidade uma igreja anuncia o fim dos tempos. Como sempre. Há uma pequena plateia de dez ou doze pessoas ouvindo atentamente as palavras de um pastor, que repete as palavras que ouvira de um mendigo na capital, que, por sua vez, acredita tê-las recebido de um anjo com nome hebraico, difícil de pronunciar.
Pensando bem, essa sensação (de fim dos tempos) é perene. Talvez tenha a ver com aquela bobagem de “instinto de morte” de que Freud, se não me engano, falava. Se houver um “fim dos tempos”, possivelmente seremos os seus autores (mas isso também é lugar-comum. Preciso mesmo dormir um pouco.)
Ao redor do sol, a nave, com seus cento e quarenta e quatro passageiros e sua tripulação robotizada, continua a orbitar numa velocidade absurda. O tempo e o espaço em torno se comprimem e a humanidade conhecida vai ficando para trás.
- Atenção passageiros com destino ao ano 2916. Dirijam-se às cápsulas de desembarque em 10 minutos. Passageiros com destino a 2916 – cápsulas de desembarque. Obrigado.
As cápsulas são lançadas da nave em direção à orbita da Terra. Elas são programadas para reduzir a velocidade durante o trajeto, de modo a orbitar o planeta em velocidade normal. Automaticamente, a cápsula entra na atmosfera e aterrissa numa plataforma de desembarque da Timeline Viagens do Futuro.
A porta se abre lentamente. O pequeno grupo de viajantes, perplexos, olha para fora da nave, com medo do que podem ver. Mas não há nada de assustador. Ainda existem seres humanos (os pastores estavam errados), e um grupo deles (dos humanos), provavelmente da Companhia, está em frente à nave, dando as boas vindas aos viajantes, cantando e dançando.
- Não sei direito o que mudou nesses 900 anos, mas ao menos nos livramos daquele tal de tchu-tchá-tchá-tchu-tchu-tchá.
Ao ouvir isso, um dos dançarinos da empresa para de dançar, olha fixamente nos olhos do passageiro e declara com ar de espanto:
- Vocês conheceram o poderoso deus Tchu-tchá-tchá-tchu-tchu-tchá!!
        E todos curvaram-se diante dos viajantes do tempo.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Frio, caridade e croquetes

Quando sinto frio, penso em ler e, quando penso em ler, lembro que também sei escrever (malemal, mas vá lá...). Escrever é preciso (e necessário), no entanto, hoje, não tenho muito o que dizer. Só sei que, em breve, estaremos invernando, já que não podemos hibernar. 
 
E, como não podemos hibernar, o frio é algo preocupante. Dizem que no RS (e no Brasil também) tem gente que não tem agasalho. Quando eu era criança, lembro-me de ter ido ao dicionário verificar que diabo era esse tal de agasalho. Havia campanhas na escola, do tipo “doe um agasalho”. Eu sabia que queria dizer mais ou menos algo como “doe pijamas e casacos velhos” (a profe explicou), mas só desencanei quando li o significado no dicionário. Egoísmos de criança, isso de não confiar em ninguém. Também pudera, com uma palavra assim. Agasalho. Rapidamente aprendi que os significados das palavras flutuam pra lá e pra cá.

E, por falar em agasalho, outro dia vi um poema:

Hoje é sexta-feira
Eu me vou pra discoteque
Onde tudo as mina pira
Agasalhando os croquete

Bem, vinte e dois anos depois de doar agasalho na escola, me vejo diante de uma situação parecida: a de consultar algum dicionário ou manual capaz de jogar algumas luzes sobre o assunto. Não sobre agasalhos, croquetes ou metáforas, mas sobre a aposta universal no ser humano como algo que pode dar certo. 
 
Eu não aposto nisso. Eu aposto no suicídio involuntário de uma espécie que não é capaz de reconhecer nada além de seu próprio reflexo num espelho, seja este um lago, um vidro, ou uma TV LCD.
Ironicamente, essa espécie acredita piamente que é a criação máxima de um ser com poder infinito (Deus) que, para o cúmulo da ironia, teria feito os homens parecidos com ele mesmo... [risos]
Por outro lado, não há notícias de espécie animal com capacidade inventiva semelhante a dos humanos. Por mais que macacos aprendam a usar pequenas ferramentas para obter comida, jamais poderão criar algo como croquetes. E, por mais criativos que sejam quando dependurados em seus galhos, jamais superarão a criatividade humana na hora de agasalhar o croquete. E, finalmente, por maior que seja a comunicação possibilitada pela dúzia de grunhidos emitidos por qualquer espécie, não há animal capaz de fazer uso da metáfora para estabelecer relações de significado entre um pênis e um croquete. E isso é realmente divino.

Fico me perguntando sobre o porquê de ninguém fazer uma campanha do tipo “nesse inverno, agasalhe um croquete”. As pessoas não morrem somente de frio. É preciso amor também. Isso é a prova de que esse tipo de “caridade” (doe um agasalho) é uma atitude essencialmente egoísta, por mais que pareça o contrário (fale com Nietzsche, é ele quem diz isso). Podemos salvar uma ou duas pessoas do frio doando aquele casaco xadrez que temos vergonha de usar porque temos ele desde 2002, mas, não se engane, não estamos salvando o mundo. A “coisa” não vai melhorar por causa disso e não estamos fazendo nada de especial, além de encontrar uma forma politicamente correta de “se livrar” das roupas boas que não queremos mais usar. É claro que Deus nos observa e anota nossas boas ações no caderninho (e isso também pode contar), mas isso é outro assunto. Em outras palavras: “aquele homem que ficou com meu casaco velho sobreviveu ao inverno porque eu o ajudei” na realidade significa “aquele homem que ficou com meu casaco velho deve sua vida a mim”.

Sobre morrer de frio, realmente não sei direto de quem é a culpa. Certamente não é dos croquetes, do frio, ou da dúzia de pessoas que não querem doar agasalhos. Também não é das pessoas que fazem caridade, seja por profissão ou por hobbie. Talvez os maiores culpados pelo fracasso do ser humano sejam simplesmente os espelhos – ou aquilo que pode haver do outro lado, divino ou não. Ou talvez não. 
 
Como a ideia era simplesmente escrever qualquer coisa (sugestão do minuano, que me bateu no lombo enquanto eu tirava a água parada das minhas bromélias), declaro este texto terminado, soberano e livre para exercer seu direito de não resolver merda nenhuma dos problemas da humanidade. Revogam-se as disposições em contrário.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Quem tem medo de guitarra elétrica?

 
Às bandas de garagem: não temei a guitarra – temei, antes, o guitarrista

Sim, ainda há pessoas que chamam a guitarra de elétrica. Eu o faço por pura opção, para ser diferente (é que tudo parece tão igual, tão Tetra Pak). Tornar tudo mais simples do que é, é tarefa da televisão. Eu prefiro complicar. Complexar. O uso persistente do adjetivo "elétrico" serve até para lembrar a geração anos 2000 que existem coisas que não são espetadas na tomada. Eles duvidam, às vezes. Guitarra elétrica, baixo elétrico, panela elétrica e barbeador elétrico. Tem gente que não conhece a outra versão desses instrumentos e utensílios.

***

Reza a lenda que, quando São Pedro fica na dúvida sobre se uma pessoa pode ou não entrar no Céu, costuma aplicar um teste bem simples. O teste consiste em desenhar uma pessoa ou coisa que o candidato ao paraíso admire muito. Pode ser o pai ou a mãe, pode ser uma personalidade, ou até mesmo uma personagem de J. L. Borges ou um monstro de H. P. Lovecraft. Desde que admirado pelo falecido, por quaisquer que sejam os motivos.
Numa dessas, dois irmãos gêmeos chegam às portas do Céu. Logo percebem que lá há varais com milhares de quilômetros de comprimento, todos ocupados pelos desenhos mencionados, presos com prendedores do roupa. Eles têm a impressão de que tudo o que existe ou existiu na face da terra está lá, representado naquelas ilustrações.
Após tocar a campainha do balcão, os irmãos veem São Pedro se aproximar.
Ele confere os nomes, verifica a lista e torce o nariz.
- Infelizmente, os dados que eu tenho aqui não são conclusivos. Vocês vão ter que fazer um teste. Se passarem, entram no Céu.
Os irmãos trocam olhares aflitos, mas não ousam pedir para onde iriam se não passassem.
São Pedro explica como é o teste. Entrega aos irmãos uma folha A4, um lápis e uma caixa de lápis de cor com 12 unidades.
- Lembrem-se que o objetivo não é a perfeição. O próprio Walt Disney fez esse teste e foi uma desgraça, embora os desenhos ficaram muito bons. Eu os guardo até hoje, querem ver?
Os olhares, dessa vez, foram mais aflitos.
- Podemos conversar durante o teste?
- É claro que podem. Isso aqui não é a escola!
Um irmão olhou para o outro e disse:
- Vamos desenhar a mesma coisa e do mesmo jeito. Estivemos juntos até agora, então faremos o mesmo desenho e vamos juntos para o Céu ou para o Inferno.
- Não mesmo! Não quero passar a eternidade no inferno por sua causa ou arrastar você comigo por causa do meu desenho. Cada um desenha o seu.
- Sábias palavras, interferiu São Pedro.
Os irmãos sentiram que São Pedro torcia por eles. Então concordaram:
- Certo, cada um desenha o que quiser. Mas posso saber o que você vai desenhar?
- Claro. Vou fazer um Jimi Hendrix!
- Tu louco? Quer ir pro inferno de vez?
- Olha, vamos ser honestos pelo menos desta vez. É nossa última chance. Acho que agora é meio tarde pra gente se fazer de santinho...
- Sábias palavras, interferiu, de novo, São Pedro.
Então os irmãos fizeram seus desenhos e entregaram a São Pedro. O santo os analisou. Olhou. Olhou de novo. Franziu a testa. Finalmente, com uma voz que ironizava o tom de solenidade, proferiu o veredicto:
- Você aí, que desenhou Jimi Hendrix, pode passar pelo portão que dá acesso ao paraíso. Seja bem vindo!
- E eu? Perguntou o outro.
- Bom, você teve sua chance, mas, infelizmente, ainda não sei o que fazer com você...
- Mas como pode? O meu irmão fez um homenzinho de palitinhos. O meu desenho ficou bem melhor e, além do mais, eu também desenhei um astro do rock que, pelo menos, não é drogado nem nada!
- Meu filho, você desenhou o P. Lanza, do Restart!
- E só não desenhei toda a banda porque faltou cores. Malditos lápis, se você tivesse me dado um Tablet...
- … já pro Inferno!

***

As pessoas descobrem coisas, o mundo muda, a carroça anda. Mas, às vezes, parece que anda para trás. Parece não. Anda mesmo. As coisas vão passando de manual para automáticas, elétricas, eletrônicas, psicotrônicas e sabe-se lá até onde vai essa "evolução" da tecnologia, mas o uso que se faz delas parece não acompanhar tal "progresso". Da máquina de escrever para o MS Office 2007 ocorreram mudanças brutais na forma de editar textos, mas não vi mudanças igualmente brutais na qualidade dos autores, por exemplo. No mundo da música, então, nem se fala. Com o salário de um ou dois meses de trabalho em qualquer profissão de nível fundamental é possível comprar computador e microfones para fazer gravações caseiras com qualidade de fazer inveja a qualquer músico dos anos 80. O acesso às tecnologias, quaisquer que sejam, está mais fácil do que noutros tempos, mas o resultado é contraditório: no YouTube há mais de 13 milhões de acessos a algo do tipo "para nossa alegria", enquanto que verdadeiros poetas continuam enterrados no anonimato de sempre. A arte (a música, sobretudo) continua a mercê do capital que, como sempre, dita, através da caixinha mágica (TV), quem deve ser aplaudido e quem deve ser vaiado, conforme critérios comerciais. Aliás, segundo a TV, todo o resto é pressupostamente vaiável até ordem em contrário.
A prometida era da informação não nos proporcionou informação alguma. Os mesmos muros que separam as pessoas no “mundo real” estão começando a cercar o “mundo virtual” (vide SOPA, PIPA, etc.) Há um mar sem fim de informações desconexas e sem nenhuma profundidade. Atualmente, para decepção de muitos que viveram naqueles primeiros anos, a Internet não passa de mais um supermercado. Só isso. E blogues como esse não são mais do que um palavrão na porta de um banheiro.
Não é de hoje que o desenvolvimento tecnológico deixou de me impressionar. A ciência e a tecnologia não são nenhuma terra prometida. São apenas engrenagens de uma máquina cuja função é fazer produzir e consumir eternamente. Na maioria das vezes, ciência e tecnologia são duas senhoras, inteligentíssimas, que passam a maior parte do dia programando as obsolescências do amanhã para que a velha roda continue a girar. Sempre do mesmo jeito.
Bem, ao menos parece que as guitarras elétricas escaparam da obsolescência planejada. Já a música que se faz com elas...


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Resumo da autoajuda jamais publicada (ou Matrix para exotéricos)

Recentemente foi descoberto (não se sabe por quem) que o sonho de subir na vida é efetivamente mais fácil de ser concretizado do que imaginávamos.
As últimas pesquisas (que só foram possíveis depois do assassinato de todas as ideologias pelo anjo Haziel) mostraram, enfim, a verdadeira natureza do Segredo e da Vida. A saber: “[...] nós não somos a espécie mais evoluída deste mundo. Exite uma inteligência invisível e superior.” (Fonte: espírito que não precisa mais de nome, via médium anônimo)
Os cientistas da nova era (todos ex-crianças-índigo-cristal) sabem, no entanto, que essa inteligência superior não é Deus. O que se discute nos círculos antroposóficos-blavatskynianos remanescentes é se essa inteligência superior foi criada por Deus ou se é criação de uma outra divindade. Sabe-se, contudo, que ela é manifesta e ultra-dimensional.
De qualquer forma, o que cabe a nós, reles serviçais, é nos preocuparmos em como fazer para comprar um carro novo. Dentro dessa nova visão do Projeto da Criação, sabe-se, agora, que a meta do ser humano não é (e jamais foi) a salvação. Existimos simplesmente para alimentar essa inteligência superior, invisível, manifesta e ultra-dimensional descrita anteriormente, e recebermos a paga por isso.
Pesquisadores com pós-doutorado em Mediunidade e Ciências Ocultas & Macabras observaram que a referida inteligência manifesta-se na forma de cidades e conglomerados urbanos. Depois que o profeta Sergey Brin recebeu dos céus os mega-pixels do Google Earth, ficou fácil observar com mais clareza como a Inteligência se comporta sobre a terra: ela cresce manifestadamente através da forma e dos elementos constituintes do que chamamos de cidades, incluindo, aí, a superestimada presença humana. Até então acreditávamos que éramos os únicos seres responsáveis pelas mudanças e transformações por nós empreendidas na superfície terrestre, mas estávamos enganados. Dentro dos desígnios da Inteligência, nosso papel é bem mais singelo. É semelhante ao dos porcos em relação à nossa espécie: servir de alimento.
As cidades crescem como tumores (e esta ideia não é nova) estendendo suas ramificações em busca de mais espaço para o cultivo de seres humanos, que são a base da sua existência. Elas, pasmem, alimentam-se de sangue e fezes humanas.
Agora sabemos que não somos, de forma alguma, o ápice da criação. Somos apenas uma granja, um cultivo para alimentar a Inteligência. Desse modo, quanto maior for nossa produtividade, maior será a recompensa que esse ser supremo nos dará. Basta uma pequena mudança em nossos hábitos para obtermos o prêmio. Coma mais e consuma mais. Coma, cague, pense e aja como um porco, e a cidade o recompensará com as benesses de que tanto precisa. Alcançarás o sucesso. Terás tudo o que necessitas, desde que não se furte à sua função essencial: chafurdar na própria merda, aceitar o chiqueiro como ele é e jamais questionar a Inteligência. O sucesso só depende de nós.
Esse é o segredo: você é o que você pensa, e você pensa o que deve pensar. Se furtar-se a essa missão divina certamente irá se juntar à turba de descontentes, resmungões, materialistas, não espiritualizados e vagabundos que, justamente por não se submeterem ao seu papel perante o mundo, encontram-se excluídos dessa sociedade maravilhosa que começamos a vislumbrar neste início de século.
Esperamos que, depois deste singelo manual, as pessoas consigam entender melhor as cidades onde vivem e possam oferecer a elas o que elas precisam. E todo o mais vos será acrescentado.
Ordem e Progresso!

sábado, 21 de abril de 2012

Descriminalização do aborto.


 


Só quem tem Deus no coração sabe o que é amor...”
Provérbio facebookiano

A recente decisão do STF sobre o aborto de fetos anencéfalos é motivo para fogos de artifício. Só não os solto porque esse gasto não estava previsto no meu orçamento. Explico (o motivo da festa, não o meu orçamento): a opção por interromper uma gestação é (ou deveria ser) uma decisão exclusiva das mulheres que se encontram nessa situação porque a elas compete dar continuidade ou não a uma coisa que está acontecendo dentro dos seus próprios corpos. Negar à mulher essa autoridade sobre o seu corpo é nada mais do que restringir-lhe a liberdade. Ou melhor: é nada mais do que continuar a restringir a sua liberdade. Engana-se o leitor que pensa que os tempos de opressão feminina perderam-se num passado medieval. Eles persistem. 
 
Repare que a maioria dos líderes religiosos (que, sem exceção, são contrários ao aborto sob quaisquer pretextos) são homens. Repare, ainda, que os líderes da maioria dos movimentos antiaborto são homens. Repare, enfim, que homens não engravidam. Isso seria o bastante para encerrar a discussão. Mas vamos além.

Eu disse que a opressão persiste. Não pensem que o assunto acabou depois do auê sobre um certo Rafinha Bastos que fazia piadas sobre mulheres estupradas e que queria comer não sei quem com feto e tudo, pois a moda continua (com menos alarde, já que agora o “humorista” aprendeu a não citar nomes): segundo esses reacionários (num disparate proferido antes ou depois do caso Vanessa, não lembro) as mulheres não deveriam sequer amamentar em público. Seria feio, nojento, etc., a não ser que fossem gostosas. Quer discurso mais sexista? Agora, além de tudo, os homens escolhem quem pode mostrar os seios e quem deve escondê-los. 

- Ah, mas é só um programa de humor...

Não. Não é só um programa de humor. É a reprodução constante e sistemática de um discurso que não é de hoje. O humor é uma arma e uma ferramenta perigosa. Disfarçado sob o manto de humorista e protegido pelas gargalhadas de uma plateia desatenta é possível professar páginas e páginas de um Mein Kampf de absurdos sem que ninguém perceba o que está acontecendo.

Da mesma fora, protegido por um belo terno e acompanhado de cânticos, améns e aleluias, é possível declamar a mesma poesia (numa edição mais antiga, talvez) sem que ninguém note a semelhança. E lá se vai a mulher, de cabeça baixa, fazer o que lhe é ordenado: servir aos homens, parir seus herdeiros, amamentá-los às escondidas (a menos que os seios sejam agradáveis à lascívia masculina) e fazer coro às regras que atravessam a história - todas ditadas por homens. É o poder da esposa que ora.

Por isso a decisão do STF deve ser comemorada. É um passo a mais em direção à liberdade, sobretudo a das mulheres. Feministas do mundo inteiro, comemorai! O estado mostrou que continua sendo laico, a despeito de símbolos religiosos pendurados em repartições públicas (dos males, o menor). Um avanço, sem dúvida. Há, entretanto, quem tem a esperança de que o Congresso reverta a decisão do STF. Bem, se isso ocorrer, talvez seja o caso de trocar os bandeiraços por manifestações a base de coquetel molotov. Talvez. No dia em que o Congresso questionar uma posição como esta – a de não obrigar uma mulher a levar a cabo a gestação de um corpo sem cérebro - não estaremos longe de virar uma república fundamentalista cristã, como alguém já profetizou por aí. Nada contra cristãos em particular. Só contra o fundamentalismo. 
 
A questão não é preservar o direito à vida (vida de um grupamento celular sem consciência), mas preservar o direito de as pessoas decidirem pelo que pode ou não acontecer dentro de seus próprios corpos. Digam o que quiserem, mas enquanto estiver dentro da barriga de uma gestante, o que quer que lá esteja, só deveria permanecer lá com o consentimento da mulher. Depois que essa criatura tiver nascido, sob amor e vontade da mãe, defenderei o direito dela viver como defenderei o de qualquer outra pessoa. Mas não antes. Quem vive pregando que não temos o direito de “tirar vidas” esquece que temos o dever de diminuir o sofrimento. Esquece que às vezes o estuprador (como um deus) também dá e tira vidas. Esquece que uma gravidez de risco coloca duas vidas a perder. Esquece que um feto anencéfalo não é um ser humano senão na aparência.

Dar às mulheres o justo direito de decidir sobre o que pode ou não acontecer dentro delas mesmas não vai transformar o mundo num matadouro de crianças. Maternidade é um direito, não um dever. Quem é contrário ao aborto em casos de estupro, risco de vida e anencefalia continuará tendo o direito de levar adiante a sua própria gravidez quando se encontrar numa situação semelhante - mas não pode obrigar as outras pessoas a fazer o mesmo.

Somos seres humanos. Faz mais de 200 mil anos que nosso cérebro deixou de ter apenas a função de dizer ao estômago quando agir. Hoje ele serve também para decorar telefones de clientes e fornecedores. No entanto, talvez a sua maior função seja a de nos tornar humanos - os queridinhos da criação - esses bichos estranhos que falam de amor.





sexta-feira, 20 de abril de 2012