sexta-feira, 31 de julho de 2009

A semente e a árvore

Há alguns anos, no tempo do Windows 95, já era moda nos cursinhos de informática baixar fotos de carros da internet e colocar na área de trabalho. Os mais espertinhos davam uma "photoshopada" na imagem de maneira a "rebaixar" o carro, pintar os vidros de preto e coisas assim.

Na falta de computador, recortava-se um carro de alguma revista velha, e com muita habilidade na tesoura e no estilete (e mais um bocadinho de cola Tenaz) e conseguia-se transformar um Del-Rey 89 em um furioso modelo futurista de 400 HPs (dias atrás descobri que ainda se faz dessas...).

Bem, a gurizada do tempo do ICQ e do disquete cresceu, e hoje não brinca mais com computadores e figurinhas. Brincam com seus carrinhos de gente grande. E divertem-se muito, trocam informações, vídeos e fotos no Orkut, brigam tentando provar que são melhores do que seus inimigos. De vez em quando juntam-se para fazer alguma coisa mais séria, como levar o filho ao médico, jogar futebol ou providenciar outro filho.

Correntes filosóficas contemporâneas garantem que a onda do "tuning" começou (ao menos no Brasil) com o lançamento do filme Velozes e Furiosos. Faz sentido, porém, jamais nos esqueçamos dos nossos heróis pioneiros, com seus estiletes afiados, contrariando o papai e a mamãe, rebaixando as imagens da revista Quatro Rodas.

Mas nem todas as sementes viram árvores. Tenho que admitir que também gostaria de "tunar" meu carro . Felizmente, tenho mais o que fazer. Mesmo assim, se eu tivesse grana e tempo para entrar na brincadeira, gostaria que ele ficasse mais ou menos assim:


Iria usar somente para passear no Centro aos domingos!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Direito à preguiça

A leitura do Direito à preguiça, de Paul Lafargue, embora refirindo-se ao século XIX e à revolução industrial, soou extremamente atual, trazendo-me lembranças da amável Tramontina e da venerável Irwin, dois importantes parques industriais barbosenses ultramodernos.

Impressiona (não sei se deveria ou não) o fato dessas empresas, assim como todas as outras, apresentarem alguns caracteres muito semelhantes aos descritos no Direito à preguiça, mesmo depois de mais de um século. No caso específico do espaço industrial, do espaço onde se inserem os chamados "operários", os problemas perduram, tendo sido apenas travestidos com novas cores. O que chama a atenção é a compactuação dos próprios "explorados", que nesse contexto assumem as dores do "explorador", caindo sempre na mesma e inevitável falácia do "infelizmente é assim". Depois que algum líder ou chefe de seção atíra a pérola do "infelizmente é assim", os demais subalternos, em geral, complementam em coro com o refrão "vai fazer o que!" (talvez isso explique a moda de chamar os empregados de colaboradores). Ocasionalmente, algumas pessoas seguem a antiga jornada de quatorze horas diárias, sob o pretexto (legítimo) das contas a pagar. Só fazendo "serão"... Realmente muita coisa mudou. Lafargue que o diga.

Hoje o operário honesto e descente precisa dispor de dinheiro suficiente não só para sobreviver, mas também para consumir (consumir o que for possível, pois "infelizmente é assim, fazer o que!"), de preferência consumindo as inutilidades que a tecnologia renova a cada dia. Além disso, deve sobrar alguns trocados para uma diversão ilusória e para a também ilusória sensação de que poderá ascender socialmente, caso se disponha a economizar as migalhas e a trabalhar cada vez mais, apezar da concretização do "sonho" de Aristóteles (citado por Lafargue), que hoje o capitalismo transforma em piada.

Mesmo assim, o direito à preguiça é uma leitura interessante para todos os curiosos de plantão, operários que têm a impressão de que algo está errado, militantes ou simpatizantes de esquerda, ateus imorais e pervertidos, e desocupados em geral. Para ler a obra na íntegra clique aqui. E lembre-se: não deixe a mamãe saber que você lê essas coisas...



terça-feira, 21 de julho de 2009

Critérios

Não sei se as bibliotecas públicas de outras cidades interioranas, como Carlos Barbosa, fazem o mesmo; mas tenho me questionado sobre o porquê de autores como Zíbia Gasparetto, Rhonda Byrne e Paulo Coelho estarem posando em locais de destaque logo no entrada da biblioteca. Seriam os livros novos? Seriam os mais lidos? Ou ambos? Toda vez que subo aquelas escadas, essa dúvida me assola, mas nunca tive coragem de interrogar a bibliotecária sobre o assunto. Por que não estão lá Jorge Luiz Borges, Guimarães Rosa ou Kafka? Outro dia eu me atrevo, tenho medo da resposta...

Sim, talvez todas as bibliotecas façam isso, seguindo o exemplo das livrarias. Talvez as bibliotecas públicas tenham que satisfazer algum público ou algum cliente, o que explica o fato de nunca faltar uma verbinha para mais um Dan Brown. Deve ser alguma espécie de estatização do neoliberal.

Nossa cidade tem orgulho do tão aclamado "índice zero de analfabetismo". Tenho dúvidas, pois há notícia de alguns vovôs que mal sabem escrever o próprio nome. Também ouvi falar de adultos com sérias dificuldades para ler uma notícia de jornal. Esses não são importantes? Será que consideram somente as crianças em idade escolar? Realmente, preciso me informar sobre os critérios desse índice. Enquanto isso, é melhor não se orgulhar tanto...

Outros números que causaram furor foram os do Idese (índice de desenvolvimento socioeconômico), que colocaram o município em 8º lugar, sendo avaliados os indicadores de renda, saúde, educação e saneamento. Hum... Alguma vez alguém de fora já lhe disse que o pessoal daqui parece extremamente orgulhoso?

E as bibliotecas do primeiro parágrafo? Bem, de quando em quando seu silêncio é perturbado por algum fantasma a procura de algum livro, que no banco de dados da biblioteca também é um fantasma. O cemitério é mais frequentado. A biblioteca de um município tão saudável deveria ser mais visitada, não apenas por alunos do ensino fundamental (em busca de algum artigo do Wikipédia), mas por leitores adultos, cujo nível de leitura tenha crescido com os anos. Talvez eu esteja enganado. Talvez os critérios sejam outros.

E claro, existe outra possibilidade: com tão alto índice de desenvolvimento, é bem provável que os leitores estejam comprando os seus livros. Criteriosamente.
Como diria o Chaves: Ah, bom! Se é assim, sim!


quinta-feira, 9 de julho de 2009

Retrocesso! Retrocesso!

Cansei. Acho que esse é o termo. Procure no google: "bolsa estupro". Não faltava mais nada: um "incentivo" para que a mulher vítima de estupro abra mão do seu (sofrido) direito ao aborto por alguns pila$.

Esse projeto de lei, que está em tramitação no Congresso, fixa um pagamento pelo estado de um salário mínimo mensal, durante dezoito anos, para a mulher vítima de estupro que não recorrer ao aborto.

Minha paciência acabou quando li algumas palavras, que preferi chamar de pérolas: "
se, no futuro, a mulher se casa e tem outros filhos, o filho do estupro costuma ser o preferido. Tem uma explicação simples na psicologia feminina: as mães se apegam de modo especial aos filhos que lhes deram maior trabalho". Isso está justificativa do projeto (como dizem os gaúchos, "carcule, então, o que virá...")

Outra pérola é o depoimento do deputado Luiz Bassuma (PT-BA): "A ciência está do nosso lado, pois a genética diz que a concepção acontece no primeiro minuto, a partir daí já é uma vida e vamos fazer de tudo para que ela seja respeitada". É um argumento muito esdrúxulo, pois a ciência não está nem de "um lado" nem de "outro"; depois ele fala em "respeitar a vida" quando propõe um projeto de lei que não respeita a mulher, não respeita a coletividade, não respeita ninguém, muito menos a vida, pois quem gera outro ser "sem querer" são os animais. O ser humano deveria, como ser racional, ter o direito de optar por gerar ou não outro ser humano.

A pérola maior fica por conta do deputado Henrique Afonso: "O aborto, para nós evangélicos, é um ato contra a vida em todos os casos, não importa se a mulher corre risco ou se foi estuprada", afirma o deputado. "Essa questão do Estado laico é muito debatida, tem gente que me diz que eu não devo legislar como cristão, mas é nisso que eu acredito e faço o que Deus manda, não consigo imaginar separar as duas coisas."

Isso mesmo, eles fazem o que Deus manda. Por isso nada mais natural do que impor sofrimento à mulher. Nada mais natural do que desejar que o ser humano mande às favas a sua racionalidade e se comporte como um animal, que é obrigado a colocar outro animal no mundo só porque o touro montou na vaca (mesmo se ela não quisesse). Também nada mais natural do que fingir que estupro não é nada, afinal, um estuprador só está fazendo o que Deus mandou: "crescei e multiplicai-vos".