domingo, 9 de junho de 2013

Mega-Sena, sonhos de consumo e lembranças de infância

Há vinte anos atrás, meu sonho era ter trinta anos. Mas que merda de sonho era aquele?!” Declaração de um maluco de estrada

Eu estava almoçando alegremente quando, da mesa ao lado, ouvi uma voz dizendo à outra, com notas sensuais: “olha lá fora, meu sonho de consumo”.

Mesmo sabendo que a conversa não era comigo, não resisti e, discretamente, olhei pela janela: um veloster.

Olhei de novo à procura de uma “porscheta”, uma “ferrarinha” ou uma “lamborgheta”, mas não. O sonho de consumo do meliante era mesmo aquele carrinho que, visto de trás, por algum motivo me lembra um grostoli, e que, apesar de estar fora da minha realidade econômica, nem de longe mereceria o rótulo de “sonho de consumo”. Mas, enfim, cada um com seus “cada uma!”...

Só que os olhos daquele jovem de terninho brilhavam olhando o veloster desfilar lentamente. Foi então que me toquei que nem pra ser ambiciosas as pessoas se esforçam. Vendem a alma ao diabo em horas-extras intermináveis, e não querem mais do que um veloster. Tudo bem desejar um carrinho que custa o absurdo de oitenta mil dinheiros, mas chamar isso de sonho de consumo é exagero. Deve ser coisa de auto estima baixa.

Na verdade eu sempre desconfiei de pessoas que querem saber qual o sonho de consumo dos outros, porque elas não entendem que há pessoas que não têm isso! Aliás, o que ando tendo ultimamente (ou desde os 17 anos) não são sonhos de consumo, mas algo mais para sonhos de desconsumo.

Sabe o que seria legal? Ganhar vários milhões na Mega-Sena e separar uns 100 mil em notas de cinquenta, jogar na churrasqueira, tascar fogo e assar um salsichão. E daqueles bem bagaceiros. Seria “da hora”, como dizem. É claro que eu não queimaria tudo, e que gastaria o resto, mas, em última instância, gastar emocionalmente o dinheiro ganho na Mega-Sena para compensar alguns anos de frustração financeira, dar para caridade, ou queimá-lo na churrasqueira para assar um salsichão são coisas muito parecidas – as três alternativas podem proporcionar um indescritível prazer ao infeliz milionário, e é a isso que viemos, acredite você ou não.

Teoria do terapeuta do Caos:

Felicidade é poder fumar seu tabaco bagaceiro em uma nota de cem dólares (ou comer polenta brustolada no Festiqueijo)

Por falar nisso, vocês viram que o Festiqueijo 2013 vai custar mais de oitenta pilas? Tá de graça, essa bagaça, né? Nem vou falar nada, já disse tudo sobre isso aqui e aqui (é só mudar o ano, que o resto é a mesma coisa). Mas sabem o que também saria legal? Fazer um festival paralelo ao Festiqueijo (e clandestino, obviamente) no melhor estilo desconsumista. Os organizadores percorreriam as colônias em busca daqueles queijos que o pessoal do interior faz e vende na informalidade (esse, aliás, é o VERDADEIRO sabor da serra, se querem saber), a procura também das melhores cachaças produzidas nos porões mais obscuros da zona mais rural, das melhores bolas de pinhão e de uns porquinhos pra fazer os salames. O festival seria animado pelos melhores véios gaiteiros da região (que quase ninguém conhece obviamente) além de atrações alternativas (alternativas de verdade) como as bandas mais underground da serra (que também quase ninguém conhece), enquanto que, do outro lado do salão, ficaria um pessoal responsável por assar os pinhões na chapa e matar os porcos para fazer o salame na hora, ali mesmo, daquele jeito que os colonos sempre fizeram e que constitui a VERDADEIRA cultura da nossa terra. A gente só trairia nossa cultura na questão do preço do ingresso, mantendo um padrão de lucro zero-prejuízo mínimo, já que tudo seria doado pelas pessoas interessadas em fazer uma festa de verdade.

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Este texto inócuo não foi escrito de uma só vez (ninguém tem tempo pra isso). Antes de terminar essa coisa, num outro dia enquanto eu, novamente, almoçava alegremente, voltei a ouvir as vozes (que agora já não sei se vinham da outra mesa ou da minha cabeça) que comentavam sobre a ansiedade de participar do nosso Festiqueijo, que “ia ser muito legal”, etc. Uns gostavam do evento, outros nem tanto. Novamente olhei pela janela do restaurante, como fiz da outra vez (procurando o “sonho de consumo” daquele desconhecido) e pude avistar a entrada do Salão Paroquial (o local onde tradicionalmente ocorre o Festiqueijo). Não pude deixar de lembrar das primeiras edições do evento, quando íamos com a família naquela festa bonita. Lembrei da primeira vez que ganhei “permissão” de ir ao Festiqueijo sozinho - sob as recomendações do pai de “só tomar guaraná” e dos avisos da mãe de “se encontrar a dinda avisa que os crochês estão prontos”. E nós, os garotos dos anos 80, entrávamos, bebíamos o guaraná, entregávamos o recado à dinda... Mas, acima de tudo, encontrávamos amores e amigos que hoje não existem mais, numa festa que não existe mais.

E tive a impressão de que, apesar de tudo, os desconhecidos da mesa ao lado eram animados pelo mesmo espírito que animara uma criança qualquer há 20 anos atrás. A perspectiva de uma simples festa lhes trazia uma alegria ingênua, mas genuína. Se assim fosse, a festa não seria de todo ruim, afinal, as pessoas estavam se permitindo ter sentimentos que hoje estão à beira da proibição, estavam dispostas a se entregar às mãos da inocência e dos instintos puros por algumas horas, a reencontrar amores e amigos de vinte anos atrás com o sorriso de uma criança que esquece o erro do amiguinho e desconhece os podres da vida. Naquele instante eu pensei que ia fazer as pazes com muita coisa do presente e do passado. Eu ia fazer as pazes...

...só que o veloster passou outra vez, lentamente. E todos voltaram a falar de sonhos de consumo e de como ainda tinham muito trabalho pela frente. 

Terminei o copo de suco, passei o guardanapo nos lábios e saí sem comer a sobremesa.




sexta-feira, 19 de abril de 2013

A música da vida (uma quase autoajuda), com final desconexo e possível continuação...

Um amigo chamado Jonatan, autor do blogue Carona com Caronte, músico, filósofo e também iniciado nas artes discordianas, escreveu, recentemente, um bonito texto utilizando a metáfora da vida como uma grande peça musical, a qual somos convidados (ou convocados) a tocar, tendo que adaptar nossas melodias às progressões de acordes que a música da vida nos impõe.

O texto do amigo Jonatan, ao primeiro olhar, pode apresentar ares de autoajuda. Mas não se engane. Ele não é isso. Tanto que me levou a refletir sobre aquela metáfora, de modo que senti, de repente, uma vontade louca (ui!) de reinventar o texto (para não dizer plagiar), apresentando, no entanto, pequenas mudanças em relação ao ponto de vista.

Sem dúvida é bonito pensar a vida como uma música, e pensar que nós podemos ser co-autores dela. Ao longo da leitura, fiquei pensando sobre que música seria a minha vida. Qual estilo? Que ritmo? A que tipos de acordes devo adaptar minha melodia?

A essa altura das reflexões eu já havia imaginado que a metáfora apresentada é controversa. Se eu sou convidado, através da minha existência, a tocar uma melodia sobre uma base harmônica pré-determinada, pergunto: quem é o regente da peça? Quem toca a progressão de acordes? A vida? Dentro dessa metáfora, quem é o maestro? Um ser exterior a ela (como o compositor é exterior à música)? Note que eu ainda não respondi à pergunta “que tipo de música é a minha vida?”

Como bom materialista que sou, inferi, desde logo, que não há autor nessa música. O texto do Carona com Caronte também parece apontar nessa direção. Se não há compositor, a execução é livre. Então é um improviso? Além disso, se há acordes acompanhando minha melodia, devo supor que eles são tocados pelos outros músicos da vida ao meu redor. Então saímos do âmbito pessoal (minha vida, minha música) para o coletivo (minha vida, nossa música). Vamos ver.

Você já tocou numa orquestra ou numa banda? Mesmo que a resposta seja não, é fácil imaginar como seria. Assista a uma apresentação de alguma orquestra, e eleja um instrumento para representar você. Vamos supor que você seja um das flautas, lá num cantinho. É fácil perceber que, sentado lá, naquela cadeira, é possível ouvir alguns instrumentos que soam com mais intensidade (como as outras flautas próximas aos seus ouvidos, ou a retumbante percussão lá atrás), outros com menos intensidade (como aquele violino lá longe), alguns estão momentaneamente calados (como os trompetes, por exemplo), um outro desafinado lá do outro lado, e assim vai... Também não é difícil notar que diferentes instrumentos estão tocando notas diferentes, em tempos diferentes, montando, desse modo, uma base harmônica e rítmica para uma melodia principal (ou não, dependendo da música), ou qualquer coisa que seja bela e agradável aos ouvidos da plateia. Elevando a teoria musical à escala planetária e forçando a metáfora a seus extremos interpretativos, podemos dizer que o mundo é uma orquestra com mais de sete bilhões de músicos. Não há maestro manuseando a batuta (a não ser aquele que dá início e fim às vidas específicas, a morte). Não há composição escrita na pauta. E não há consenso sobre como essa música vai ser interpretada, exceto, talvez, algumas “combinações” aqui e acolá.

A vida é um free jazz de Ornette Coleman interpretada por mais de 7 bilhões de músicos surdos

Já pensou? E agora, como fica ouvir a linha melódica daquela flauta que está lá do outro lado do mundo (ou do outro lado da rua) se a polícia te deixa surdo com seus trombones e tubas? Se a melodia da gaita de boca do bêbado incomoda? Se os clarins dourados dos sacerdotes não param? Se o rufar de tambores da manada de caminhões não cessa? A quem devo ouvir? Que diabos, afinal, eu devo tocar?

A diferença, é claro, é que somos uma banda com relativa mobilidade. Você pode sair da sua cadeira e tocar a nota mais aguda da sua flauta no ouvido do trombonista. Há uma relativa liberdade, embora ela esteja sempre atrelada a certos pa$$aportes e a eventuais consequências. Você já ouviu um free jazz?



Por isso temo que não existam “momentos de tranquilidade” e “momentos de incerteza” como propõe os acordes dominantes e subdominantes de uma música (eles aparecem de forma caótica, quando a massa de instrumentos ao seu redor entende que deve tocar assim, mas não de modo pré-determinado ou fatalista). Bancando o escritor de autoajuda, não é exagero afirmar que você pode se afastar das tubas e se aproximar dos violinos, se achar que pode construir com eles uma harmonia mais bela. Porém, não há certeza de nada (talvez, depois de flertar com os violinos, você venha a sentir falta da fanfarra dos trombones...) A única certeza é que nossos compassos estão numerados e contados. E não é possível ver claramente onde termina.

O nome deste blogue não é Terapia do Caos por acaso

No fim das contas, obviamente, é melhor essa cacofonia delirante do que o silêncio absoluto. Ou não. Não sei. O silêncio terá seus lugares, seus compassos marcados com pausa. Ainda há (embora raros) espaços (geográficos e psicológicos) onde podemos praticar o silêncio. Você pode praticá-lo coerentemente no meio do solo da soprano, ou retirar-se momentaneamente para locais mais sossegados. Da mesma forma, você pode rugir os acordes de sua guitarra em ensurdecedores ritornellos, no mesmo instante em que outro instrumentista da vida chega ao seu fine. Ao mesmo tempo que você executa essa peça de improviso, você pode ser um maestro, dando ordem de da capo, jogando ao mundo uma nova pauta em branco a ser preenchida por um novo alguém que, como você, também se sentirá perdido, a menos que opte por enganar a si mesmo com mentiras ou coisas do outro mundo, obtendo, assim, uma pequena e insossa melodia que só ele ouve (porque é surdo para o mundo), e que considerará perfeita por algum tempo (no máximo até o momento do fine, no entanto). Mas lembre-se que, nessa admirável composição cósmica, não há espectador no recinto (além de nós mesmos). Nem maestro. Portanto, nada deverá ser tachado de perfeito nem de repulsivo se seus ouvidos não puderem ouvir as notas tocadas pelos integrantes da orquestra inteira.

A flauta só é flauta quando alguém a toca

Antes e depois disso ela não passa de um cano de metal bonito e sem sentido. É por isso que todo mundo quer ser o regente da humanidade. De Odin, passando por Amón-Rá, Zeus, Alá e Jesus Cristo, até Barack Obamma ou Hebe Camargo, todos quiseram, querem ou gostariam de ser o regente dessa orquestra e tocar a música que eles considerariam mais apropriada. O mais recente dos deuses já inventados ou manifestados através da cultura humana (o atual “Deus”) é um dos mais fortes candidatos a maestro do mundo, e já conseguiu microfones e potentes amplificadores para fazer sua música soar mais alto que as outras, tentando assim angariar mais instrumentistas à sua causa. Ele não quer que toquemos somente hinos de louvor em seu nome. Ele quer tirar de nós a liberdade de fazer a própria música, do jeito que quisermos e com as pessoas que quisermos. Quer dar moedas a seus músicos mercenários em troca de uma monotonia submissa e sem sentido que destrói a riqueza e a complexidade dos acordes dissonantes. Enfim, ele quer ser o único espectador desse espetáculo, e quer uma música só para ele. Só que não (hehehehe).

La bella polenta

Essa é a canção que tocamos na nossa região (serra gaúcha, pra quem desconhece). Sempre tem algum desafinado no meio, uma ou outra pessoa tocando outra coisa, mas, grosso modo, o que se ouve é um hino de louvor ao trabalho e à conquista de bens materiais. Nossa tônica (talvez até mais do que no “resto do mundo”) é o “trabalho”. Seu refrão é “quem mais pega, mais possui”. Quando as crianças nascem, desde logo lhes são ensinadas as notas a serem tocadas para perpetuar essa canção. Se você vier de fora, de outro lugar, com outra canção diferente... danou-se. Marginaliza-se muito por aqui, por conta de uma certa surdez congênita que impede-nos de ouvir outros arranjos, outras harmonias. Se quiser se dar bem por essas bandas, aprenda La bella polenta.

Sobre a liberdade (o funk também fala da amor)

Agora, se quiser ser “livre” (entre aspas mesmo) e arcar com as consequências, aprenda a ouvir a todos e adaptar sua melodia. Aprenda outros estilos, outras sonoridades. Aprenda a interagir como um ser que cria, não como um robô. A graça do free jazz talvez seja a criação coletiva. Mas não é só criar em grupo, é criar na hora, no improviso, sobretudo ouvindo o que seus companheiros estão tocando. Além disso, também chama a atenção a liberdade, talvez excessiva (não acredito que usei as palavras liberdade e excessiva na mesma frase!) com que esses músicos trabalham. O sábio Tom Zé já disse, certa vez, que a própria escala diatônica (o famoso dó, ré, mi, fá, sol, lá, si) é uma prisão musical, um limite imposto que exclui todas as frequências sonoras existentes de um dó até outro, elegendo apenas 12 notas como um cristo que elege 12 apóstolos! Radical? É que existe mais coisas entre o funk e o erudito do que sonha nossa vã filosofia.

(CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO... TALVEZ...)


sexta-feira, 12 de abril de 2013

O alvorecer de uma nova religião

O cristianismo-feliz, ou cristofelicianismo, é uma religião da Nova Era, derivada do antigo e ultrapassado cristianismo, e caracterizada por sua interpretação literal do texto bíblico, com ênfase nos aspectos homofóbicos, xenofóbicos, sexistas e racistas que eventualmente aparecem nesse livro.

O Culto

As principais características do seu culto são templos lotados com multidões em incontrolável transe autoinduzido, expulsões (no grito) de todos os demônios, diabos, pragas, exus, entidades, “caboclos”, santos e quaisquer outras divindades não pertencentes ao panteão cristão-feliciano, e a prospecção in loco de eventuais financiadores para a obra de Deus (divindade que tentaremos descrever mais adiante). Para as pregações no púlpito é necessário árduo treinamento do pregador, que deverá adquirir uma voz possante e ensurdecedora, com a qual exortará a plateia a abrir suas carteiras e entregar parte de suas economias. A voz possante do pregador também se faz necessária nos momentos de alegria e êxtase, quando é anunciada a morte de algum inimigo de Deus pelas suas próprias mãos, e quando são recordadas as verdades-felicianas.

O deus da religião cristã-feliciana

O deus da religião cristã-feliciana possui características deveras peculiares, todavia, fomos persuadidos a não descrevê-las nesse blogue, por medo de que algum mal entendido provocasse uma represália de seus seguidores mais ortodoxos, ou até do seu próprio deus, que costuma ser cruel e impiedoso. Mas, em resumo, é aquele deus vingativo do Antigo Testamento, mas que, de vez em quando, fica inexplicavelmente compassivo e bondoso.

A origem do nome


O nome cristofelicianismo deriva da antiga expressão “Cristo é feliz!”, supostamente bradada pelos primeiros fiéis como resposta à exortação de cada uma das sete verdades-felicianas. Cristão-feliciano (ou, às vezes, cristão-feliz) é como costuma-se chamar o seguidor do cristofelicianismo.

As sete verdades da religião cristã-feliciana


1- Deus amaldiçoou o povo africano
2- Deus criou a mulher para servir ao homem
3- Deus abomina os homossexuais
4- Deus matou John Lennon
5- Deus matou os Mamonas Assassinas
6- Deus afundou o Titanic
7- Deus é amor

 De um pequeno grupo, para o mundo inteiro

O Cristofelicianismo veio a público depois que seu maior representante conseguiu o cargo de presidente da CDHM - Comissão de Direitos Humanos e Minorias. O movimento tomou notoriedade depois que alguns humanos pertencentes a grupos minoritários entenderam que a entrega da presidência da CDHM a um cristão-feliz representaria uma ameaça a futuros avanços na área. Entretanto, a eleição da presidência deu-se sem nenhuma ilegalidade (apesar do contrassenso), o que evidencia a forte influência da nova religião, não só no meio político, mas em todas as esferas da sociedade.

[PAUSA PARA O CAFÉ...]
 ...

Agora falando sério

Não se trata de denegrir religião ou religiosidade alguma, mas de observar os limites. Não os limites impostos ou não por leis ou pela Constituição (na qual alguns bolsonaros da vida buscam equivocadamente um delirante “direito ao preconceito”), mas os limites do bom senso. “Africanos estão fodidos porque não aceitaram a Deus.”, “A Aids é culpa dos homossexuais”, etc. Em pleno século XXI há pessoas que se satisfazem com essas respostas tão inocentes e simplistas para problemas nada inocentes e nada simples! É claro que é um direito de qualquer um aceitar ou não qualquer explicação para qualquer coisa, mas não é direito de ninguém usar (ou abusar) de seu justo direito à fé para incitar ódio e violência a pessoas ou grupos de pessoas. Veja isso: em pleno século XXI (ou talvez, quem sabe, por causa do sec. XXI) há pessoas que sentem prazer em imaginar que um assassinato poderia ser justificado por uma causa divina.



Fico imaginando quanto tempo falta para as pessoas se sentirem à vontade para sair à rua dando tiros em mim ou em você, não por causa de um tênis ou cinco reais - mas em nome de uma divindade.

Observe a fala do pastor (fazendo de conta que fala com o cadáver): “esse foi em nome do Pai, esse em nome do Filho e, esse, em nome do Espírito Santo”. Percebeu o prazer no seu rosto e na sua fala enquanto ele se imaginava na presença de uma pessoa alvejada por três tiros? Percebeu o gozo da plateia? Se isso não é incitação ao ódio e à violência, então podem me internar. Por isso, sem rodeios: se essa aí é a “trindade” (ou como quer que a chamem) eu quero mais é que o cu dela pegue fogo! (o cu DELA, não o meu, nem o seu, nem o de ninguém) E que ela, se quiser me dar três tiros, não seja covarde em mandar um mensageiro, mas que o faça pessoalmente!

Divirta-se (ou não) com mais pérolas do cristofelicianismo




terça-feira, 19 de março de 2013

Os dedos de Francisco, fraudes no ponto eletrônico e uma alternativa eficaz (entre outras mazelas)

Quem pensava que pilantragem era exclusividade da classe política enganou-se (que novidade...). Óbvio que qualquer categoria tem seus mocinhos e seus bandidos. Os médicos que usavam dedos de silicone para fraudar o ponto eletrônico são um bom exemplo disso. E não são só eles. O coordenador do Samu, acusado de organizar o esquema, tenta tirar o cu da reta, mas os dedos apontam para ele.

Isso sempre me faz pensar sobre a fragilidade do sistema e as tentativas que se faz para torná-lo perfeito – mas ele nunca o será. Mesmo que se implante um chip no cu das pessoas, sempre haverá um jeitinho, alguém sempre estará disposto a driblar as normas e alguns vão conseguir. Se formos escavar esses casos até o fundo, a conclusão será sempre a mesma: lucro. Por que ficar sentado no plantão se eu posso estar lá e no meu consultório ao mesmo tempo? Mas ninguém vai assumir que o objetivo era esse. Coordenador vai dizer que não sabia de nada, a médica que “passava os dedos” dirá que foi ordem do coordenador e os médicos poderão alegar que foram vítimas de um boa-noite-Cinderela e tiveram seus dedos clonados por marcianos numa noite de sábado. Desafiando a física, esses médicos estavam em dois lugares ao mesmo tempo, recebendo, obviamente, dois ordenados. Desafiando o bom senso, muitos dos que se mostram indignados com o caso fazem igual ou pior. É que o que os dedos não apontam o coração não sente.

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Dedos são coisas que possuem uma simbologia muito profunda. Eles são muitos, e são relativamente longos. Além disso (e por isso) é possível enfiá-los nos lugares mais improváveis, em expedições exploratórias de tirar o fôlego. Dedos são partes do corpo tão importantes que é neles que colocamos alianças de compromisso e é neles que o Papa coloca um dos maiores símbolos do poder da Igreja, o Anel do Pescador.

Mas desta vez o anel não será de ouro maciço. O Vaticano já anunciou que o anel será feito de prata receberá uma cobertura de ouro. Parece que o ouro representa o divino e a prata o humano, ou coisa assim. Mas o que deixou muita gente entusiasmada é a possibilidade de a Igreja dar uma guinada histórica e colocar-se numa posição um pouco mais condizente com a realidade do século XXI. Também apontam para essa possibilidade o nome do Papa (que remete a São Francisco de Assis), as frequentes quebras de protocolo (que fazem o Papa parecer mais humano e menos divino), sua ligação com a América Latina e com os jesuítas entre outras coisas. Enfim, até o fato de Sua Santidade ter recebido a multidão de braços abertos ou fechados é motivo para os “especialistas” tirarem conclusões esperançosas. Mas, parafraseando São Lula (o santo dos nove dedos), o Vaticano também é um navio enorme (e muito antigo), e qualquer manobra muito brusca pode naufragá-lo. É bem por aí.

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(Um pouco de cultura (quase) inútil

Il Camerlengo é o responsável pelas finanças do Vaticano, dentre outras coisas. Ele conhece o subsolo da Santa Sé melhor que o próprio Papa, e é o responsável pela retirada do Anel do Pescador do dedo do papa morto (ou que renunciou) e destruí-lo (o anel) para que ninguém seja papa antes do conclave. Ele é uma figura mais ou menos como o mordomo dos livros de suspense. Se registrarem o ponto com dedos de silicone lá no Vaticano, desconfie do camerlengo. Se assassinarem o Papa, então...)

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Os dedos – seus usos e desusos na infância

Quando éramos crianças e apontávamos os dedos para as estrelas, ganhávamos verrugas. Talvez essa crença tenha origem na necessidade de amputarmos de nossas crianças a curiosidade. Desconfio que se elas permanecessem muito tempo observando o céu noturno, invariavelmente sua curiosidade seria aguçada e seu senso crítico daria os primeiros e preciosos passos. Se permitíssemos que elas crescessem perguntado sobre as estrelas (aqueles pontos inúteis no céu) logo elas estariam questionando nossas tradições, atentando contra a moral e os bons costumes e fazendo piadas com o Papa como se ele fosse um qualquer. Portanto, crianças, se forem observar as estrelas, aproveitem a tecnologia do século XXI e providenciem uns dedos de silicone para contá-las de forma mais segura.

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Moral da história (mas ainda não estamos no fim)
A moral da história é que esse lance dos dedos de silicone é uma bela cutucada no cu do sistema. Claro que é imoral, antiético, blá, blá, blá e etc. (ninguém precisa escrever isso em nenhum lugar para as pessoas se darem conta disso). Mas, por outro lado, essa situação reflete um aspecto importante de nossa sociedade: não adianta tentar obrigar as pessoas a fazer a coisa certa (ou o que quer que seja considerado certo) porque o “certo”, queiramos ou não, ainda é o lucro a qualquer custo. E enquanto esse conceito permear nossa sociedade (eternamente, talvez) não haverá tecnologia que impeça fraudes. E, como o sol nasce para todos, todos nós estamos sujeitos à tentação de se bronzear um pouco mais. Como alguém disse uma vez: onde existe uma situação em que é possível sair lucrando, alguém vai descobri-la e vai lucrar. Não importa se é aqui, em Brasília, na Etiópia ou no Vaticano.

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Aproveitando a deixa para dar uma surra de rastelo nas promessas da tecnologia

Você lembra quando implantaram, na empresa onde você trabalha, o sistema de ponto eletrônico por impressão digital, com a desculpa de que assim seria impossível um colega registrar o ponto do outro? Pois é. E a tecnologia falhou novamente. #CHUPASISTEMA

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Uma alternativa eficaz

Contrariando o que eu escrevi anteriormente, creio que talvez exista uma forma de evitar fraudes nos pontos eletrônicos (pelo menos por homens). A solução seria passar o pênis ao invés do dedo. Quando ouvi a notícia sobre os dedos de silicone fiquei imaginando como seria o processo de “clonar” os dedos. Provavelmente foi aplicada uma forma de gesso (ou algo assim, note que sou leigo no assunto) e a partir do molde foi fabricada uma cópia em silicone. Agora imagine como seria o processo de copiar um pênis. E mais: imagine como seria andar por aí com meia dúzia de pênis nos bolsos. E mais ainda: imagine como seria pegar cada um deles e passar no ponto eletrônico, sabendo que eles são idênticos aos pênis dos seus colegas de trabalho. Certamente tais situações vexatórias inibiriam boa parte das fraudes em pontos eletrônicos. Fica a dica.


quinta-feira, 14 de março de 2013

Ocasional

O cão na chuva
encolhe o corpo
e observa a gota
que cai.

O homem
brinca de morto
e pergunta
pra onde se vai?

domingo, 10 de março de 2013

Lá pelas tantas

Lá pelas tantas você percebe que está cansado
e descobre que, não importa o que diga,
o que faça ou desfaça,
sempre haverá quem queira ouvir
e quem queira calar.
E você disfarça a indignação
- a indigna ação -
de tolerar a entorpecência,
de tolerar a lei muda
que declara que mudar
o que quer que seja
é um provocar sem perdão
(o maior pecar)
até que, lá pelas tantas,
o sono fica mais forte 
do que a própria morte
- mas você tem que continuar.


sexta-feira, 8 de março de 2013

Foda-se, essa merda!


Há muito me parece que não há nada mais contemporâneo do que o ato de tocar o foda-se. Tanto que deveria existir um verbo novo, específico, que resumisse em uma palavra apenas esse tão preciso e atual gesto. Ao invés de dizer que fulano “tocou o foda-se”, poderíamos utilizar outro verbo, como, por exemplo, fulano “desempapou-se” (calma, eu já explico).

Acontece que desempapar-se pode ser compreendido mais ou menos como o contrário de empapar-se (embeber-se, ensopar-se, mergulhar-se em líquido...). Se pensarmos na sociedade líquida de Bauman, isso faz até certo sentido, uma vez que o modus operandi do “tocar o foda-se” tem certa relação com o excluir-se (ou tentar excluir-se) de certo conjunto de valores e operações dos quais se espera que determinadas ações produzam determinados resultados.

Na prática, tocar o foda-se consiste em colocar um ponto final nas dúvidas transitórias suspensas, dar a tarefa por concluída, afastar-se da situação-problema e, de longe, observar o estouro-resultado (afinal, o show não pode parar).

E foi exatamente o que o Papa fez. Ele desempapou-se. Incapaz de consertar aquele antro de corrupção, putaria e iniquidade que é a Igreja, ele decidiu que não queria mais nada com aquela bagaça, e declarou que está velho demais para essas coisas e que vai passar o resto de seus dias dedicando-se a escrever livros.

(Como se não bastasse, antes mesmo de vermos sair qualquer fumaça, branca ou preta, um dos cardeais que participaria do conclave assumiu que teve “atitudes impróprias” com seminaristas e também “largou pras cobra”. Pois é, pois é , pois é...)

Evidente que nem o cardeal nem o ex-Papa (é assim que se diz?) vão deixar de ser fiéis católicos que rezam e pedem perdão a Deus todas as noites por seus pecados, assim como aquele que entrega o relatório feito nas coxas ao chefe também não vai deixar de ser um bom colaborador da empresa.

Tocar o foda-se é uma arte, que deve ser exercida com cuidado e responsabilidade. Deve ser feito quando você é constrangido a fazer algo que você sabe que não vai dar certo (e cuja argumentação em contrário jamais funcionaria devido às ridículas estruturas hierárquicas) ou quando não existe outra alternativa. Não deve ser exercida em qualquer momento ou ocasião, mas somente quando é evidente que os esforços serão enormes e os resultados pífios. A vida é curta demais para esforços hercúleos que não trazem resultados. A vida é curta demais para os teatrinhos, para os faz-de-conta, para deslocar exércitos com o objetivo de masturbar um general. Mas como você é um soldado e tem que marchar (pois o general precisa ejacular) então foda-se! Vamos marchar! Conscientes, porém, do objetivo principal e do resultado. Aquele que faz o que está além do seu dever e antevê a desgraça que está por vir, o faz sob inspiração do foda-se, e, por isso, jamais chorará ao final. Passará pela sarça ardente sem se queimar e servirá de exemplo para os demais soldados, até que um dia, talvez, todos aprendam a masturbar-se sozinhos e não haja mais generais.

Tocar o foda-se tem a ver com limites. Ao contrário do senso comum, a minha concepção de limite tem a ver com algo insuperável, muito próximo ao impossível (o limite só não é igual ao impossível porque permite ao vivente a chance de tentar superá-lo). As pessoas devem estar conscientes dos seus limites. As pessoas que comandam as outras devem pensar nisso mais ainda, pois, além de lidar com seus próprios limites, deve conhecer e respeitar os limites da equipe sob seu comando. Quem tenta superar seus limites está sujeito à frustração e tocar o foda-se é a salvação de quem não tem outra alternativa.



Bem-aventurado o líder capaz de tocar o foda-se. Este será exemplo, seus descendentes cantarão as suas vitórias e seus erros não se repetirão.



Nesse sentido, o leitor atento certamente já percebeu que em momento algum eu denigro a atitude do Papa. Apesar do tom jocoso e despudorado dos meus escritos, no fundo eu admiro muito a atitude de Bento XVI. Ao menos ele teve a presença de espírito de praticamente dizer “não, isso não é pra mim”. O representante de Deus na terra, detentor da infalibilidade papal, cansou-se daquilo, atirou o chapéu num canto e foi fazer outra coisa. Com o aval de Deus “desempapou-se” de muita lama, de muita sujeira e deixou o troninho de ouro para outro machão qualquer tentar dar um jeito naquela joça. Enfim...

Observado por esse viés, tocar o foda-se torna-se uma excelente válvula de escape. Poupa as pessoas de desgastes desnecessários, evita a criação de inimizades e atritos inúteis e, sobretudo, exercita a criatividade.

Sejamos, pois, ferrenhos defensores dessa arte. Desempapemo-nos como fez Bento XVI, mas de forma melhor, mais alegre, menos disfarçada e sem hipocrisia.

Se você gostou desse texto, compartilhe, curte, coise, enfim... se não gostou, foda-se. Mas não deixe de comentar aí em baixo, mesmo que for para xingar. Até a próxima!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Saídas de emergência e saídas da hipocrisia

Duzentas e trinta e tantas vítimas do incêndio numa boate em Santa Maria. Notícia que figurou nas capas dos maiores jornais do mundo (e dos menores também). A imprensa tem orgasmos.

Longe de simplesmente “informar”, como dizem alguns alienados, em muitos casos a mídia chuta longe da goleira, tão longe que a bola vai parar no pomar da mãe do Badanha. Perguntar “qual o sentimento nessa hora”, a uma mãe que talvez tenha identificado o corpo de um filho a poucos minutos, não tem explicação. Não há curso de jornalismo que pague ou que explique. E não há Freud que arrisque um palpite.

Não é surpresa (ou não deveria ser) pra ninguém que toda mídia, toda forma de publicar coisas que serão lidas/consumidas por um grande público, tem um viés ideológico, confere com uma determinada linha de pensamento, conscientemente ou não; e visa a um objetivo, um resultado (não adianta espernear, até o jornalzinho local da tua cidade não desperdiça um parágrafo sem saber qual é o alvo). Mas o que explica o comportamento da imprensa nesses casos de tragédia? Dia após dia vemos os “noticiários” mostrando as mesmas imagens, os mesmos “vídeos amadores”, catando aqui e ali os mesmos responsáveis por isso e aquilo e, como sempre, declarando culpados e inocentes, como se fosse um “poder judiciário” para leigos.

Parte da explicação para isso talvez se deve ao público. Sempre sádico, sempre ávido por mais do mesmo. Não quero saber se esse público foi condicionado ou não a isso (isso não é, ainda, um admirável mundo novo), pois o fato é que ele (nós) estamos aí e somos assim: nós queremos tragédia, queremos corpos assassinados, ensanguentados; depois queremos um culpado (um basta); em seguida, queremos justiça (vingança) e, por último, queremos o gozo contemporâneo e facebookiano (e, por que não, Cristão?) do compartilhar. Compartilhar a dor. Compartilhar o pesar. O sofrimento. Em última instância, compartilhar a hipocrisia. A hipocrisia de viver às custas do tal “jeitinho” (como todo mundo, aliás) e apontar o dedo na fuça do vizinho cujo “jeitinho” resultou numa saída de emergência ineficaz. A hipocrisia de verter lágrimas por pessoas que sequer conhecemos. Não sejamos falsos! Quem, realmente, chora por quem não conhece? Sentimos um lamento, mas ele é tão grande assim? Tão grande a ponto de querer cancelar um carnaval (embora ninguém queira cancelar seu churrasquinho particular dominical)? Tão grande a ponto de turvar o raciocínio e nos impedir de compreender o sentido de uma tirinha que, na verdade, é uma homenagem às vítimas (embora todos riram da tirinha do homem-bomba que ia “ensinar uma vez só”)?

Aqui em Carlos Barbosa há um sábio, um filósofo interiorano que, certa vez, disse: "antes eles do que eu". “E se fossem os seus filhos?”, alguém perguntou. “Mas não foram. Antes os filhos deles do que os meus”. Parece chocante, mas (sejamos honestos) em que profundezas do nosso ser escondemos o “antes eles do que eu”? Sobretudo se considerarmos o fato de que a maioria das casas noturnas não são muito diferentes daquela de Santa Maria.

Só ao nosso sábio interiorano, devidamente protegido no interior da “bodega”, é permitido falar tais coisas. Não esperamos que todos sejamos tão frios e tão sinceros, mas esperamos que todos considerem que, pelo menos por um segundo, no canto mais profundo da alma, alguma coisa dentro de nós deu graças aos deuses por não estar no lugar daquelas pessoas. Se, mesmo procurando com muito afinco, não encontrarmos uma parte de nós que ficou muito feliz por não ter sido a Eletric Circus a queimar conosco dentro, significa que alguma parte da nossa alma encontrou uma saída de emergência. Ao menos ela escapou do incêndio que veio a seguir.