Há muito me parece que
não há nada mais contemporâneo do que o ato de tocar o foda-se.
Tanto que deveria existir um verbo novo, específico, que resumisse
em uma palavra apenas esse tão preciso e atual gesto. Ao invés de
dizer que fulano “tocou o foda-se”, poderíamos utilizar outro
verbo, como, por exemplo, fulano “desempapou-se” (calma, eu já
explico).
Acontece que
desempapar-se pode ser compreendido mais ou menos como o contrário
de empapar-se (embeber-se, ensopar-se, mergulhar-se em líquido...). Se
pensarmos na sociedade líquida de Bauman, isso faz até certo
sentido, uma vez que o modus operandi do “tocar o foda-se”
tem certa relação com o excluir-se (ou tentar excluir-se) de certo
conjunto de valores e operações dos quais se espera que
determinadas ações produzam determinados resultados.
Na prática, tocar o
foda-se consiste em colocar um ponto final nas dúvidas transitórias
suspensas, dar a tarefa por concluída, afastar-se da
situação-problema e, de longe, observar o estouro-resultado
(afinal, o show não pode parar).
E foi exatamente o que
o Papa fez. Ele desempapou-se. Incapaz de consertar aquele antro de
corrupção, putaria e iniquidade que é a Igreja, ele decidiu que
não queria mais nada com aquela bagaça, e declarou que está velho
demais para essas coisas e que vai passar o resto de seus dias
dedicando-se a escrever livros.
(Como se não bastasse,
antes mesmo de vermos sair qualquer fumaça, branca ou preta, um dos
cardeais que participaria do conclave assumiu que teve “atitudes
impróprias” com seminaristas e também “largou pras cobra”.
Pois é, pois é , pois é...)
Evidente que nem o
cardeal nem o ex-Papa (é assim que se diz?) vão deixar de ser fiéis
católicos que rezam e pedem perdão a Deus todas as noites por seus
pecados, assim como aquele que entrega o relatório feito nas coxas
ao chefe também não vai deixar de ser um bom colaborador da
empresa.
Tocar o foda-se é uma
arte, que deve ser exercida com cuidado e responsabilidade. Deve ser
feito quando você é constrangido a fazer algo que você sabe que
não vai dar certo (e cuja argumentação em contrário jamais
funcionaria devido às ridículas estruturas hierárquicas) ou quando
não existe outra alternativa. Não deve ser exercida em qualquer
momento ou ocasião, mas somente quando é evidente que os esforços
serão enormes e os resultados pífios. A vida é curta demais para
esforços hercúleos que não trazem resultados. A vida é curta demais para os teatrinhos, para os faz-de-conta, para deslocar
exércitos com o objetivo de masturbar um general. Mas como você é
um soldado e tem que marchar (pois o general precisa ejacular) então
foda-se! Vamos marchar! Conscientes, porém, do objetivo principal e
do resultado. Aquele que faz o que está além do seu dever e antevê
a desgraça que está por vir, o faz sob inspiração do foda-se, e,
por isso, jamais chorará ao final. Passará pela sarça ardente sem
se queimar e servirá de exemplo para os demais soldados, até que um
dia, talvez, todos aprendam a masturbar-se sozinhos e não haja mais
generais.
Tocar o foda-se tem a
ver com limites. Ao contrário do senso comum, a minha concepção de
limite tem a ver com algo insuperável, muito próximo ao impossível
(o limite só não é igual ao impossível porque permite ao vivente
a chance de tentar superá-lo).
As pessoas devem estar conscientes dos seus limites. As pessoas que
comandam as outras devem pensar nisso mais ainda, pois, além de
lidar com seus próprios limites, deve conhecer e respeitar os
limites da equipe sob seu comando. Quem tenta superar seus limites
está sujeito à frustração e tocar o foda-se é a salvação de
quem não tem outra alternativa.
Bem-aventurado
o líder capaz de tocar o foda-se. Este será exemplo, seus
descendentes cantarão as suas vitórias e seus erros não se
repetirão.
Nesse
sentido, o leitor atento certamente já percebeu que em momento
algum eu denigro a atitude do Papa. Apesar do tom jocoso e
despudorado dos meus escritos, no fundo eu admiro muito a atitude de
Bento XVI. Ao menos ele teve a presença de espírito de praticamente
dizer “não, isso não é pra mim”. O representante de Deus na
terra, detentor da infalibilidade papal, cansou-se daquilo, atirou
o chapéu num canto e foi fazer outra coisa. Com o aval de Deus
“desempapou-se” de muita lama, de muita sujeira e deixou o
troninho de ouro para outro machão qualquer tentar
dar um jeito naquela joça. Enfim...
Observado por esse
viés, tocar o foda-se torna-se uma excelente válvula de escape.
Poupa as pessoas de desgastes desnecessários, evita a criação de
inimizades e atritos inúteis e, sobretudo, exercita a criatividade.
Sejamos, pois,
ferrenhos defensores dessa arte. Desempapemo-nos como fez Bento XVI,
mas de forma melhor, mais alegre, menos disfarçada e sem hipocrisia.
Se você gostou desse
texto, compartilhe, curte, coise, enfim... se não gostou, foda-se.
Mas não deixe de comentar aí em baixo, mesmo que for para xingar.
Até a próxima!
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