segunda-feira, 13 de junho de 2011

A boa e velha limpeza social - e a minha inocência

Limpeza social é um termo que pode parecer um tanto forte, exagerado, mas ainda é o melhor para designar certas coisas estranhas que volta e meia podem acontecer em qualquer cidade, principalmente aquelas com um maior potencial turístico.

Não é raro ver ou ouvir de pessoas importantes consideradas importantes, discursos que beiram a eugenia, com frases do tipo: "é um absurdo esses índios circulando na frente da minha loja", ou "por que ninguém leva esse mendigo embora?" e outras coisinhas do tipo. No meu trabalho, certa vez, tive que ouvir o seguinte: "no caso dos índios, quando têm crianças junto, é muito simples: é só levar pra rodoviária e botar dentro de um ônibus"... [som de inspiração profunda e expiração] [pausa] ...Olha, eu juro que faço força pra não citar o nome do(a) ilustríssimo(a) cidadão(a) que abriu a nobre boca para falar essa merda. Mas falou. Na verdade não cito o autor dessa sapientíssima colocação porque sou covarde mesmo (peso 54kg, sou de fraca compleição física, e se me processarem estou fudido, porque não tenho grana para um advogado).

Por isso, deixemos assim (ou "deixe estar" como se ouve na TV); não vamos falar sobre isso, até porque eu posso estar mentindo, não tenho provas, ninguém vai acreditar nessa merda e, com a sorte que tenho, é bem capaz de aquela atitude ("bota num ônibus e manda embora") ser considerada a atitude perfeita por maioria de votos. Então vamos fazer de conta que este é um texto de ficção (e é mesmo) que fala sobre as coisas estranhas que eu acho que acontecem na cidade de Charlie Barganha.

Isso mesmo, meu nome é Sidnei e moro na cidade de Charlie Barganha, pequena cidade do interior da República Federativa da Nova Noruega; um país maravilhoso, situado no continente Sul-Pampeano, onde "tudo é caro porém perfeito". A pobreza, aqui, não consegue procriar; e se chegou de fora, haverá de retornar. Assim canta o hino da cidade de Charlie Barganha.

Poderíamos fazer um poema épico.

Mas, voltando à realidade, às vezes fico preocupado. Olho pela janela às cinco e meia da tarde, quando há aquele congestionamento digno de "cidade grande", e penso em quantas daquelas pessoas podem ser coadjuvantes nessa ideologia de limpeza social. Depois, para tentar me acalmar, procuro adivinhar o contrário: quantas daquelas pessoas podem estar preocupadas com essa questão. Descubro que não há contrários e finjo uma resposta agradável.

***

Quando, no futuro, todos estiverem trancados dentro de suas casas, digo, caixas de habitar (longe de índios e indigentes) relativamente "a salvo" uns dos outros, devidamente alienados e adestrados na arte de se comunicar através de grunhidos, alguém dirá que a culpa foi do Prozac. E de mais ninguém.

Fórmula estrutural da fluxetina
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Fluoxetin_Structural_Formulae_of_both_enantiomers.png
Que bom que eu estou lendo Cem anos de solidão.

3 comentários:

  1. O que eu mais gostei e invejei foi a última frase. A última mesmo, depois da formuleca quimicóide.
    Ab,
    A. Símio

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  2. Hahaha. Muito bom!
    Dando uma contribuição a essas merdas que ouvimos volta e meia, esses dias li um texto de uma pessoa que gostava do frio porque o número de mendigos das ruas diminuia.
    Sem comentários.

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  3. O que tu ouviu, ouvi tambem. [som de inspiração profunda e expiração] [pausa]. Em Charlie Barganha é bem assim.

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