sexta-feira, 17 de junho de 2011

Storie e racconti III - Baile, Chevette e Farroupilha


     Existe, no interior da nossa cidade, um local conhecido como Três de Paus. Trata-se de uma encruzilhada que tem esse nome por causa da disposição das estradas que, ao se cruzarem, não o fazem de forma perpendicular, mas num ângulo semelhante ao que se cruzam as clavas de um três de paus de um baralho espanhol, baralho muito utilizado na região para jogar a escova (ou escoba).
     A história a seguir foi contada por A. T. e I. K., uma dupla de heróis barbosenses, descendentes de alemães, com residência e emprego fixos e que, por incrível que pareça, são jovens demais para morrer e velhos demais para o rock 'n' roll.
     Aos fatos...
     A posse de uma habilitação para dirigir, em conjunto com o recém adquirido Chevette de A. T., possibilitaram aos dois amigos inaugurarem uma nova fase de suas vidas: os bailes (também chamados de reúnas). Agora poderiam ir aos bailes que quisessem, quando quisessem (sem depender do “ônibus no local de costume”) e, de quebra, levar as meninas (que pudessem) para passear de Chevette depois do baile. Chevette 1973.
     Ocorre que “levar as maninas para passear”, naquela época, não era algo tão factível como é hoje. Não foram poucas as vezes que nossos aventureiros tiveram que regressar dos bailes na solidão do banco da frente, carregando as meninas somente na imaginação, onde elas faziam companhia à lembrança do patrão que os estaria aguardando no trabalho na manhã do dia seguinte.
     Diante de tanta consternação (já que o carro não carregava as meninas), não tardou para o pequeno Chevrolet ver-se obrigado a carregar outras atribuições. Em pouco tempo, sempre que retornavam dos bailes sozinhos, “aprontar pelas colônias” tornou-se uma questão de honra. Mas não se assustem, porque a direção era defensiva, e a diversão era algo que, se não substituía um amor fugaz de domingo, servia de vingança, embora nem sempre houvesse vítima.
     Por isso, nossa dupla dinâmica possuía vários planos. Cansados de voltar para casa sozinhos e solteiros, eles decidiram que no retorno da próxima reúna iriam aplicar o “plano B”.
     O tempo passou. Veio o domingo: o padre abençoou, o churrasco findou e a noite chegou. Baile acabou e ninguém namorou. Cansados de cantarolar as rimas da Banda Barbarella, decidiram que era chegada a hora de sair do salão e aplicar o tal plano.
     O “plano B”, ao contrário do que se poderia imaginar, não envolvia prostíbulos e afins. Não o “plano B”. Este consistia em fazer uma “macumba” na encruzilhada, por pura diversão, para rir da vizinhança e ouvir o fala-fala. Dirigiram-se ao Três de Paus e lá, bem na encruzilhada, estenderam uma toalha, colocaram cigarros, acenderam velinhas, dispuseram flores e copos com cachaça que, acreditem, já estavam no porta-malas do chevette aguardando a ocasião, juntamente com uma galinha de patas amarradas que já não tinha vontade de cacarejar. Tudo arrumado, faltando somente a cereja do bolo (ou da macumba). Houve uma breve troca de olhares e eis que cada um saca do seu bolso uma calcinha que roubou como pode do varal de sua casa. A de A. T. era, de longe, a mais bonita, pois era quase nova e tinha alguma rendinha, enquanto que a de I. K. já estava bastante usada, era enorme, tinha o elástico destruído e o tecido a beira de rasgar-se. Mas eram calcinhas, e foram cuidadosamente estendidas, de forma a dar equilíbrio e leveza ao conjunto. A obra de arte estava pronta. E o Chevette os conduziu ao conforto do lar.
     No dia seguinte, a presença daquela oferenda (que seria a primeira a ser vista na região) deu o que falar. Todos queriam expor a sua teoria:
    - É trabalho pra obter amor, não há problemas em chegar perto.
    - Não. É oferenda pra acabar com casamento. Tem que passar longe.
    - Que nada! Isso tudo é bobagem! Podem aproveitar os cigarros que a embalagem está lacrada.
    E assim, cada um expos a sua teoria, até que, o mais sábio de todos, aproximou-se da turba que analisava a novidade com curiosidade infantil e disse:
    - Eu sei quem foi que fez isso. Foi aquela negrada de Farroupilha. Eles vieram numa Kombi, espalharam essas coisas pelo chão e chamaram por Satanás durante toda a noite. Aquela negrada de Farroupilha.
    - Mas como o senhor sabe quem foi?
    - Às Vezes a gente sabe sem saber, meu filho!
***
     Ainda hoje, passados muitos anos, mesmo que os nossos heróis admitam sem nenhum remorso a autoria da pueril e inofensiva brincadeira, há quem prefira acreditar nas palavras do velho sábio: “Foi aquela negrada de Farroupilha”.




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