segunda-feira, 28 de maio de 2012

Frio, caridade e croquetes

Quando sinto frio, penso em ler e, quando penso em ler, lembro que também sei escrever (malemal, mas vá lá...). Escrever é preciso (e necessário), no entanto, hoje, não tenho muito o que dizer. Só sei que, em breve, estaremos invernando, já que não podemos hibernar. 
 
E, como não podemos hibernar, o frio é algo preocupante. Dizem que no RS (e no Brasil também) tem gente que não tem agasalho. Quando eu era criança, lembro-me de ter ido ao dicionário verificar que diabo era esse tal de agasalho. Havia campanhas na escola, do tipo “doe um agasalho”. Eu sabia que queria dizer mais ou menos algo como “doe pijamas e casacos velhos” (a profe explicou), mas só desencanei quando li o significado no dicionário. Egoísmos de criança, isso de não confiar em ninguém. Também pudera, com uma palavra assim. Agasalho. Rapidamente aprendi que os significados das palavras flutuam pra lá e pra cá.

E, por falar em agasalho, outro dia vi um poema:

Hoje é sexta-feira
Eu me vou pra discoteque
Onde tudo as mina pira
Agasalhando os croquete

Bem, vinte e dois anos depois de doar agasalho na escola, me vejo diante de uma situação parecida: a de consultar algum dicionário ou manual capaz de jogar algumas luzes sobre o assunto. Não sobre agasalhos, croquetes ou metáforas, mas sobre a aposta universal no ser humano como algo que pode dar certo. 
 
Eu não aposto nisso. Eu aposto no suicídio involuntário de uma espécie que não é capaz de reconhecer nada além de seu próprio reflexo num espelho, seja este um lago, um vidro, ou uma TV LCD.
Ironicamente, essa espécie acredita piamente que é a criação máxima de um ser com poder infinito (Deus) que, para o cúmulo da ironia, teria feito os homens parecidos com ele mesmo... [risos]
Por outro lado, não há notícias de espécie animal com capacidade inventiva semelhante a dos humanos. Por mais que macacos aprendam a usar pequenas ferramentas para obter comida, jamais poderão criar algo como croquetes. E, por mais criativos que sejam quando dependurados em seus galhos, jamais superarão a criatividade humana na hora de agasalhar o croquete. E, finalmente, por maior que seja a comunicação possibilitada pela dúzia de grunhidos emitidos por qualquer espécie, não há animal capaz de fazer uso da metáfora para estabelecer relações de significado entre um pênis e um croquete. E isso é realmente divino.

Fico me perguntando sobre o porquê de ninguém fazer uma campanha do tipo “nesse inverno, agasalhe um croquete”. As pessoas não morrem somente de frio. É preciso amor também. Isso é a prova de que esse tipo de “caridade” (doe um agasalho) é uma atitude essencialmente egoísta, por mais que pareça o contrário (fale com Nietzsche, é ele quem diz isso). Podemos salvar uma ou duas pessoas do frio doando aquele casaco xadrez que temos vergonha de usar porque temos ele desde 2002, mas, não se engane, não estamos salvando o mundo. A “coisa” não vai melhorar por causa disso e não estamos fazendo nada de especial, além de encontrar uma forma politicamente correta de “se livrar” das roupas boas que não queremos mais usar. É claro que Deus nos observa e anota nossas boas ações no caderninho (e isso também pode contar), mas isso é outro assunto. Em outras palavras: “aquele homem que ficou com meu casaco velho sobreviveu ao inverno porque eu o ajudei” na realidade significa “aquele homem que ficou com meu casaco velho deve sua vida a mim”.

Sobre morrer de frio, realmente não sei direto de quem é a culpa. Certamente não é dos croquetes, do frio, ou da dúzia de pessoas que não querem doar agasalhos. Também não é das pessoas que fazem caridade, seja por profissão ou por hobbie. Talvez os maiores culpados pelo fracasso do ser humano sejam simplesmente os espelhos – ou aquilo que pode haver do outro lado, divino ou não. Ou talvez não. 
 
Como a ideia era simplesmente escrever qualquer coisa (sugestão do minuano, que me bateu no lombo enquanto eu tirava a água parada das minhas bromélias), declaro este texto terminado, soberano e livre para exercer seu direito de não resolver merda nenhuma dos problemas da humanidade. Revogam-se as disposições em contrário.

2 comentários:

  1. Acid mode: on.
    Ri litros, mas fiquei triste por descobrir que eu não posso salvar o mundo com aquele casaco antigo-novo que está fora da moda e eu chamo de velho.

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  2. Caramba, desse jeito tu termina com uma possível sensação de bem estar que as doações podem causar. hehehe!

    Obs: Esse poema aí foi pra matar...

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