sexta-feira, 9 de março de 2018

Lendo Aleister Crowley (parte 2)

O Livro da Lei propriamente dito não é muito extenso. É uma coletânea de máximas que não ocupa mais do que umas trinta páginas e se divide em três capítulos. É nesses três capítulos que se encontra todo o arsenal de frases, citações e referências explícitas ou implícitas usadas por uma multidão de artistas, músicos, cineastas, etc. (se pá até pela sua mãe!), especialmente os ligados ao movimento de contracultura dos anos 60, e de tudo o que se desenrolou a partir daí. 

O livro também conta com uma reprodução do que seria o "manuscrito original". Para quem não está familiarizado com o assunto, parece que os três capítulos do Livro da Lei teriam sido ditados a Aleister Crowley no Cairo, por uma "entidade espiritual" ou algo assim. Algo muito parecido com a "escrita automática" dos primeiros artistas surrealistas que, a essas alturas (início do XX) já causavam certo furor. Para os cristãos com saudades dos seus mortos, havia os espíritas kardecistas, que, embora não se denominavam assim, já "rodopiavam mesas" há algum tempo e psicografavam mensagens "do além" de maneira, digamos, um tanto parecida... Nesse ínterim você vê a ascensão da psicanálise, as grandes guerras, o "baby boom" americano, e por aí vai. O pessoal dos anos 60 se deleitava pescando frases de efeito do Livro da Lei que, muitas vezes, caíam como uma luva naquele momento histórico. E outras vezes podiam te colocar na lista de potenciais subversivos do FBI, ou na mira de religiões neopentecostais fanáticas... Qualquer uma dessas alternativas certamente deveria fascinar a juventude rebelde daquela época.

Mas, se ele fascinou uma juventude dos anos 60 até hoje, com certeza deixou os pais horrorizados, além de todas as pessoas de sua própria época. É curioso como ele se tornou um popstar somente depois da morte. Em vida foi odiado ou temido pela maioria das pessoas. Ao que tudo indica, a "popularização" tardia do Livro da Lei foi um dos grandes responsáveis por isso.

Mas enfim, além dos três capítulos do Livro da Lei essa tradução da Marina Della Valle, da Editora Chave, também conta com uma cópia dos originais, um prefácio muito interessante, uma introdução e um "comento" final escritos pelo próprio Crowley, uma nota editorial, uma nota da tradutora e, por último, um texto muito bom do escritor português David Soares, onde ele contextualiza o cenário dos encontros de Crowley com Fernando Pessoa à luz de cartas, documentos e fatos históricos muito bem referenciados. E, tentando fechar o livro como se fosse uma cerejinha no bolo, a tradução de Hymn to Pan feita por Fernando Pessoa. Um tanto desnecessária, mas vá lá... talvez sirva para mostrar que, mesmo que Crowley talvez não tenha passado de um milionário excêntrico, ao menos trocou umas figurinhas com um mestre da Literatura...


***

Eu li, em primeiro lugar, o prefácio, introdução, o comento, todo o resto (até o Hino a Pã) antes de ler o Livro da Lei propriamente dito (quando criança eu primeiro comia as bolachas, e deixava o recheio por último...) e, como (quase) todo mundo, só dei uma olhada no fac-símile do manuscrito...

Seguindo esse roteiro, de cara o leitor percebe que será preciso se familiarizar minimamente com o universo ocultista da época. Maçonaria, O. T. O., Golden Dawn... O que são? Onde vivem? De que se alimentam? 

Com duas googladas para tentar entender esse universo você já percebe que está à beira de um poço sem fundo. Pelo menos é a impressão que eu tive. Grosso modo, preferi resumir (para facilitar o meu entendimento), que são como clubes do bolinha com CNPJ, documentos e estatutos, onde seus membros se reúnem para fazer "coisas escondidas" como, dentre elas, a prática de "magia ritualística". Em outras palavras, para fazer Jesus chorar, do ponto de vista de um conservador ocidental moderno. Explicado porque ele era temido.

Na terceira googlada (bem como na introdução do próprio livro) o leitor vai percebendo que, além de confrontar a sociedade de então, Crowley, de diversas maneiras, também arranjara confusão dentro das próprias ordens esotéricas que participava. Explicado porque ele era odiado.

Além de tudo isso, também consta que teve uma infância dificultosa, a morte do pai, a dificuldade de se relacionar com a mãe, a "vida mansa" proveniente de uma herança. Explicado (talvez) um pouco da excentricidade e insubordinação do autor.

Na terceira parte deste texto veremos em detalhes um pouco do legado desse autor maluco, temido e odiado, que se tornou ícone de uma cultura, e que encanta adultos e assusta crianças de forma extremamente eficaz há mais de um século!

(Peço desculpas pela enrolação. Este texto deveria ter apenas duas partes, mas ocorre que o assunto acabou se mostrando mais interessante do que eu esperava, por isso eu resolvi acrescentar mais um capítulo.)

"Estou só: não há Deus onde estou." (II, 23)



segunda-feira, 5 de março de 2018

Lendo Aleister Crowlei

Eu sempre soube que um dia chegaria a esse ponto. 

Estava dormente. Só esperando uma oportunidade.

Normal, pra quem passou a adolescência ouvindo Raul Seixas gritar o nome da Besta 666 num dos discos mais influentes nessa fase da minha vida (me perdoem, eu sei, mas pelo menos não foi um disco dos Farrapos... Era o que tinha! Você me entende?)

E, convenhamos: você está lá com seus 15 ou 16 anos, sendo empurrado pela nossa "cultura" à exploração de um subemprego em meio turno (porque, afinal, gringo que é gringo não fica vagabundeando na rua, você sabe...), aquela pressão toda, o que você vai ser na vida, você só quer saber de andar na sua bicicleta mas não pode, porque você precisa "aprender a trabalhar"... Aí você se pega fechando cappeleti ou algo assim (o pessoal da minha cidade vai pegar a referência) pra um desgraçado que vai te pagar um punhado de trocados que não dá nem para um par de tênis no fim do mês, (e você sabe disso...) quando, de repente, cai em suas mãos uma fita K7 com um cara cantando Ouro de tolo... Era tudo o que eu queria ouvir! 

Não tem como isso não impactar você de forma permanente, mesmo que seus gostos mudem com o tempo. Raul Seixas já ocupou seu assento. E junto com ele vem todo o pacote. Aquela coisa de sempre... Você é o que você come, etc...

Faz algum tempo que eu não ouço o Maluco Belza, mas aquela coisa de "todo homem e toda mulher é uma estrela", "faze o que tu queres...", em vez de ir para algum canto do sótão da nossa memória acaba ficando ali, em cima de uma mesinha, que se não está no centro, também não está escondida...

Até que um dia, você está de férias e, sem querer, passa numa estante de promoções da Saraiva e bate o olho numa edição bilíngue do tal "Liber al vel Legis". 

Agora é só tirar a curiosidade.

Semana que vem continuamos!

Do what thou wilt shall be the whole of the law